quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A Flor Jamais Colhida - Final




Nova cidade, novo emprego, nova vida... dizem que a distância pode ajudar a esquecer um grande amor. Gabriel dedicou-se de corpo e alma ao trabalho, e conseguiu importantes promoções na companhia. Logo, conheceu uma moça excelente, Tânia, com quem se casou após dois anos de namoro. Tânia era bonita, delicada e amorosa. Tudo o que um homem poderia querer. Após alguns meses de casamento, ela engravidou.

A amizade entre Nuno e Gabriel continuou, pois ambos gostavam-se muito. Certa vez, Nuno, Hilda e Pedro - seu filho, então com dois anos de idade - foram passar uma curta temporada com Gabriel e Tânia na época de férias. Rever Hilda fez com que Gabriel percebesse que, apesar de ainda amá-la muito, o seu sentimento poderia ficar sob controle, adormecido em algum recôndito do seu coração. Hilda e Tânia tornaram-se grandes amigas, e sempre conversavam pelo computador. Os casais revezavam-se, visitando-se a cada ano, e seus filhos cresciam. Gabriel e Tânia tiveram um casal de gêmeos - Márcio e Mariana.

Com o tempo, Gabriel foi novamente transferido para sua cidade natal, onde pode conviver mais amiudamente com Nuno e Hilda. 

O segredo entre eles permaneceu um segredo. As crianças foram crescendo, casando-se e tendo suas próprias vidas, mas os dois casais permaneceram sempre amigos, e nem Gabriel nem Hilda jamais voltaram a falar sobre o sentimento que existia entre eles, e que jamais morrera. Mas este revelava-se a cada olhar trocado furtivamente, ou quando eles se tocavam acidentalmente e algo como uma corrente elétrica passava de um para o outro, como  ocorreu à mesa, durante um jantar: ao pegar uma travessa das mãos de Hilda, Gabriel tocou-lhe de leve o pulso, fazendo com que ela quase derramasse a terrina com molho de macarronada sobre a toalha. 

À noite,  quando deitava-se ao lado da esposa, Gabriel às vezes pegava-se pensando em Hilda, e se perguntava se ela também estaria pensando nele. E ela estava. 

Amaram-se de longe durante muitos anos, até que envelheceram. Casaram seus filhos, tornaram-se avós, aposentaram-se. Nuno adoeceu no verão, aos setenta anos de idade, e Hilda permaneceu ao lado dele até o final da longa doença que o levou embora. Dois anos mais tarde, Tânia também se foi.

Mesmo assim, Gabriel e Hilda jamais concretizaram seu amor... mas... como não? É claro que sim! nada existia de mais concreto do que aquele amor platônico, jamais posto à prova, que durara uma vida inteira e fora forte o bastante para permanecer em segredo sem que ninguém precisasse ferir-se! E quando Hilda se foi, Gabriel estava ao seu lado no hospital, segurando-lhe a mão. Seu último olhar fora para ele. Seu último suspiro pousou na pele do seu rosto, como um beijo de despedida. 

E no momento final, ele a acompanhou até sua derradeira morada, permanecendo ainda algum tempo depois que todos se foram. No jardim onde sua flor jamais colhida foi novamente plantada, ele derramou suas lágrimas. Uma leve brisa soprou até ele, levando um forte perfume de rosas.



FIM


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A Flor Jamais Colhida - Parte II




O tempo passou. Gabriel continuou escravo daquele amor platônico por Hilda, a namorada de Nuno, seu amigo de infância. Ele tentava fingir que não havia nada, mas só fingia para os outros. Quando a noite chegava e ele estava sozinho em seu quarto, pegava-se pensando nela. A convivência entre eles era quase diária, já que Nuno era seu melhor amigo e os três faziam parte do mesmo grupo de pessoas que saía nos finais de semana e iam a clubes e restaurantes. Gabriel até pensava em deixar de frequentar o grupo, mas eles eram seus amigos há tanto tempo que não conseguia imaginar a vida sem eles. 

Ou sem ela.

Até que um dia, Nuno tocou a campainha. Era manhã de domingo. Não tinha saído com o grupo no último sábado, pois viajara à praia com Hilda. 

Gabriel notou que o amigo parecia ansioso. Ao cumprimentá-lo, percebeu um brilho diferente em seu olhar. Enquanto preparava um café e colocava a mesa, ficou sabendo que Nuno e Hilda estavam noivos:

-Eu pedi a mão da Hilda em casamento.

Aquela frase bateu com força uma porta entreaberta no coração de Gabriel. Foi uma batida seca e dolorida. O jardim onde estava sua flor jamais colhida fora trancado para sempre. Gabriel engoliu em seco, tentando manter o controle de suas emoções para que Nuno nada percebesse. Virou-se de costas para ele e fingiu estar procurando algo no armário da cozinha. Ainda perguntou, controlando o tom de voz para algo que soasse natural:

-E ela aceitou?

Ainda guardava um restinho de esperança, que murchou imediatamente quando Nuno respondeu:

-É claro que sim! Nós nos casamos daqui a dois meses. Já combinamos tudo, e na segunda-feira daremos entrada na papelada.

Ao ouvir aquilo, Gabriel fez nascer à fórceps um sorriso no rosto e virou-se para o amigo, abraçou-o e deu-lhe os parabéns.

No dia do casamento, ninguém na igreja chorava mais do que ele. Era um choro silencioso e profuso, e todos ficaram comovidos ao vê-lo no altar (era padrinho do noivo) chorando tanto pela felicidade dos amigos - sem saberem que o choro era de dor. Estava feliz por Nuno. Estava feliz por Hilda. Só não estava feliz por si mesmo. Ainda sorria entre as lágrimas. Só conseguiu parar de chorar quando entrou no banheiro masculino e trancou a porta, e engoliu um Valium que deixou-o meio-amortecido pelo resto da noite. Depois, bebeu e dançou com todas as meninas da festa. 

Dias após o casamento, ele aceitou uma oferta de emprego do outro lado do país. Despediu-se dos amigos durante uma festa, feita especialmente para ele. Abraçou Nuno e Hilda, sentindo seu perfume de rosas pela última vez. Depois, enquanto os amigos conversavam e riam, pediu licença e foi sentar-se sozinho na varanda do bar, alegando que precisava de um pouco de ar fresco.

Minutos depois, Hilda foi juntar-se a ele. Geralmente, os dois não ficavam sozinhos, ainda mais em lugares semi-escurecidos como aquele. Ela sentou-se ao lado dele, segurando-lhe a mão. Ele olhou para ela, mas não conseguiu vislumbrar o seu olhar na escuridão. Então, ele olhou para a frente - para a lua em formato de sorriso que estava pendurada no céu - e deixou-se ficar dentro  daquele momento, fingindo que Hilda era dele. Ela comentou:

-Você não me parece feliz, Gabriel. Está tudo bem?

Ele sentiu-a apertar-lhe a mão.

-Na verdade, não...

Naquele momento, ele pensou em contar tudo a ela. Pensou em deixar que aquele sentimento que vinha sufocando-o há tanto tempo finalmente vazasse pelos seus olhos, através da sua boca e pelos seus poros, aliviando-lhe o peso no coração, que sacudia seu peito feito uma locomotiva em alta velocidade. Mas lembrou-se das palavras da mãe. Hilda continuou:

-Pode me contar tudo... Nuno pediu-me que viesse falar com você, pois ele está preocupado também, e achou que você desabafaria melhor comigo. Sou melhor ouvinte do que ele.

-É que a minha vida está tão estranha, Hilda... tão vazia... você já desejou ardentemente uma coisa que não podia ter?

As palavras simplesmente saíram; fugiram ao seu controle, e ele arrependeu-se um segundo após dizê-las. Sentiu que a mão dela deslizava para longe da dele com delicadeza, indo pousar entre os joelhos, como quem dissesse: "Não gostaria de ouvir o que você tem a me dizer." Pelo menos, foi assim que ele interpretou o gesto dela. Um fiapo longo de nuvem encobriu a lua.

Hilda respirou profundamente, tentando encontrar uma maneira de sair daquela situação tão delicada. Achou melhor contar a ele a verdade:

-Sei. E como sei! Porque eu me sinto da mesma forma.

Ele olhou para ela, e naquele momento, a lua reapareceu. Ela olhava para ele. Ficaram assim durante alguns segundos. Gabriel pensou em perguntar-lhe: "Então por que casou-se com Nuno?" Mas ele não tinha certeza se o que ela sentia era em relação a ele, e então calou-se; mas ela pereceu ter-lhe ouvido os pensamentos:

-Sabe por que me casei com Nuno?

-Vocês se amam, naturalmente...

Ela o interrompeu:

-Sim, ele me ama muito, desesperadamente. Eu o amo também, mas não da mesma forma. Aceitei a proposta dele porque... porque eu ...

As palavras pareciam atravessadas na garganta dela. Ela respirou fundo e soltou a frase junto com o ar:

-Estou grávida! Eu vou contar para ele hoje.

Gabriel sentiu que um muro de pedra havia desmoronado sobre a cabeça dele. Ela chorava. Ele viu o brilho da lágrima descer pelo rosto dela. Queria dizer que nada daquilo importava para ele, que ele assumiria a criança como se fosse dele. Queria tantas coisas, e queria que ela fosse embora com ele. Mas pode apenas perguntar:

-Você me ama, Hilda?

Ele sentiu a surpresa no silêncio dela. Ela murmurou:

-Amo. Mas é tarde demais. Não poderíamos fazer isso com o Nuno. Ele é seu melhor amigo, e é uma pessoa maravilhosa. 

Ele concordou com a cabeça, tristemente. Ela beijou-o no rosto. Ele fechou os olhos para receber o beijo dela. Ela demorou-se com os lábios sobre o rosto dele por mais tempo do que demoraria uma simples amiga. Depois, ela levantou-se e voltou para o grupo. 

Ele ficou ali mais algum tempo, e depois seguiu-a. Quando chegou lá, eles se entreolharam. 

Gabriel partiu na manhã seguinte.

(continua...)




quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A FLOR JAMAIS COLHIDA





Quando tinha sete anos, Gabriel estava a caminho da escola de mãos dadas com Bela, sua jovem mãe. Bela era uma mulher religiosa, e apesar de sua conhecida doçura, um pouco rígida em seus conceitos, e tentava criar seu menininho dentro dos preceitos que aprendera de seus pais. Ensinava-lhe tudo o que era 'ético' e 'correto.' Naquela manhã, Bela parou para conversar com uma amiga junto ao jardim de uma casa.

Foi quando Gabriel olhou para cima e viu, esgueirando-se entre as grades do jardim da tal casa, uma rosa. Mas não era apenas uma rosa qualquer; era quase tão escura quanto o vinho que papai e mamãe tomaram no último natal, durante o brinde da ceia; suas pétalas só podiam ser de veludo, daquele veludo que a gente logo tem vontade de tocar e acariciar, e passar sobre a pele do rosto. Ele esticou-se todo, e conseguiu sentir-lhe o perfume: apesar de não estar ainda totalmente aberta, ele sentiu um perfume que nunca sentira em nenhuma rosa do mundo (das que ele já vira). 

Puxou a saia da mãe e mostrou-lhe a rosa. Ambas, mãe e amiga, após comentarem sobre a beleza da flor, continuaram a conversar. Mas Gabriel decidiu que aquela rosa tinha que ser da Tia Janete, sua professora. Como todos os meninos da sua turma, tinha uma paixãozinha platônica pela bela e bondosa professorinha. E aquela rosa ficaria perfeita no vaso junto à janela, no canto direito da mesa... Gabriel pode até mesmo sentir o beijo que ela daria em seu rosto assim que ele lhe entregasse a rosa, e do olhar admirado e invejoso das outras crianças. Quando a amiga se despediu, ele anunciou:

-Mãe, vou levar aquela rosa para a Tia Janete!

Bela, já sorrindo, respondeu-lhe:

-Querido, sei o quanto gosta da sua professora, mas a rosa pertence a alguém. Não é certo retirá-la sem autorização! Não é correto colher flores nos jardins alheios sem pedir antes.

Mas vendo o ar de tristeza no rosto do filho, Bela decidiu:

-Já sei: vamos tocar a campainha! Quem sabe, a dona da casa permita que nós levemos a rosa, se explicarmos a ela direitinho?... 

O menino logo mostrou-se animado, e ele mesmo tocou a campainha. Duas vezes. Três vezes. Mas ninguém foi atender a porta. Bela ainda tentou animá-lo: 

-Quem sabe, amanhã?

Mas no dia seguinte, apesar da rosa estar no auge de sua beleza, mais uma vez ninguém atendeu a porta. Finalmente, no terceiro dia, uma senhora idosa foi até o portão e perguntou-lhes o que queriam. Bela explicou o desejo que o filho tinha em presentear sua professora com a rosa. A velha senhora sorriu, dizendo:

-Eu entendo! Também já fui professora e adorava ganhar flores! Aguardem um momento que eu vou lá dentro buscar uma tesoura para cortarmos o caule sem ferir a roseira!

Gabriel e Bela se entreolharam, e ela ficou muito feliz ao ver o sorriso do filho. Pensou no quanto tinha dado a ele uma importante lição. mas quando a senhora voltou, ao tocar o caule da roseira - mesmo apesar do seu cuidado - a rosa começou a despetalar-se. Desesperado, Gabriel viu, com lágrimas nos olhos, as pétalas aveludadas pousarem em volta dos seus pés. A senhora lamentou profundamente, dizendo:

-É mesmo uma pena... e esta roseira demora tanto a dar rosas... quando dá, geralmente é umazinha só. Mas tenho certeza que sua professora adorará margaridas! 

Dizendo aquilo, ela cortou algumas e entregou a ele.

Mãe e filho continuaram o trajeto até a escola em silêncio. Quando chegaram, Bela falou:

-Pelo menos, você aprendeu uma importante lição, Gabriel: nunca pegar alguma coisa que não é sua sem autorização. E com certeza, a rosa despetalou-se porque, no fundo, também não é certo desejar as coisas alheias. Lembre-se sempre disso!

E Gabriel lembrou-se daquilo muitas vezes, principalmente vários anos depois, quando, aos vinte e um anos, olhava para o rosto frio da mãe durante o seu velório. Mas ele não sabia que, mais uma vez na vida, estaria de frente com a tentação; é que Gabriel tinha um amigo de infância, o Nuno, que após o funeral, foi abraçá-lo acompanhado de uma moça belíssima que apresentou-lhe como sua namorada. Seu nome era Hilda. Gabriel, apesar da tristeza, não conseguia parar de admirar os cabelos lisos e levemente ruivos da moça. Não conseguia tirar os olhos dos seus olhos muito azuis. E quando ela o abraçou, sentiu nela o mesmo perfume que sentira naquela rosa de sua infância, a rosa tão desejada que ele jamais colheu. 

Nuno nem sequer percebeu o que se passava com seu amigo; achava que sua estranheza era devida ao luto. Quando eles se despediram, Ela ainda olhou para trás, e os olhos dele se encontraram mais uma vez. Hilda sorriu-lhe, e de repente, a tristeza que Gabriel sentia pela morte da mãe aliviou-se. Foi para casa levando o sorriso dela em seu ombro, carregando seu olhar dentro dos próprios olhos, e sentindo o perfume que ela exalava. Naquela noite, mal dormiu, e sonhou com ela. 

Mas ele sabia que ela era a flor no jardim alheio. A rosa desejada que não poderia ser colhida. 

(continua...)


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - FINAL






O Último Final de Semana – Parte VIII

A manhã veio encontra-los todos espalhados pelos sofás, tapetes e almofadas da enorme sala de estar. Na lareira, ainda crepitavam algumas brasas. De repente, uma música suave, mas em alto volume, ecoou pela Casa, despertando a todos. Eram sete horas da manhã. 

Valéria foi a primeira a abrir os olhos, seguida de Fernando, Ronaldo, Carol e Gina. A música vinha da sala de TV, e eles se entreolharam, esfregando os olhos e bocejando, achando que finalmente, Rodrigo chegara à casa. Todos se levantaram e foram até a sala de TV, onde descobriram que a música vinha do aparelho de DVD que ligara automaticamente. Valéria já ia desliga-lo, quando o rosto de Rodrigo apareceu na tela. Todos se sentaram, prestando atenção. Na tela, um Rodrigo macilento e de aspecto cansado – bem diferente daqueles que eles tinham conhecido – parecia olhar diretamente para cada um deles. Quando a música terminou, ele começou a falar:

“Olá, todo mundo... espero que estejam todos presentes. Esta é uma mensagem de desculpas e reconciliação. Não que eu me sinta culpado por alguma coisa que eu tenha feito, mas alguém que eu conheci há algum tempo me disse que, se eu desse o primeiro passo para reconciliar-me com meus desafetos, talvez a minha situação lá do outro lado melhorasse. Eu não acreditava em nada, até descobrir que eu estou doente. Continuo não acreditando, mas como diz o ditado, “Eu não creio em bruxas, mas...”

Naquele trecho, ele riu tristemente.

Bem, na verdade, eu não acho que eu deva desculpas de verdade... pensando bem, eu fui exatamente o que eu sou de verdade, com cada um de vocês, mesmo que vocês não tenham gostado do que eu sou. De uma coisa podem ter certeza: eu não fingi quando estávamos nos divertindo. Foi realmente divertido, cada momento que ficamos juntos. E sabem, eu gosto realmente de vocês, amigos. Principalmente de você, Valéria. Quando estávamos juntos, eu me sentia leve... eu podia me soltar sem medo de cair, pois você não deixaria. Sinto tê-la decepcionado, não sendo quem você esperava; mas no fundo, você sabia quem eu realmente era. Afinal, como um menino poderia ter tanta experiência na cama? Você nunca desconfiou que não tinha sido a minha primeira ou simplesmente não quis saber? E nunca reparou nas cenas de ciúme que a sua mãe fazia quando estávamos juntos? Ela nem conseguia disfarçar! E a maneira como as amigas dela me abraçavam... você mesma viu, e preferiu ignorar. Eu fui quem eu pude ser, quem eu sabia ser. Não poderia ter sido melhor. Mas se isso a consola, saiba que foi com você que eu mais gostei e fui mais feliz. Não vou dizer que a amo, porque eu não sei o que é isso, nunca aprendi; mas eu adorava a sua companhia. Nunca quis nada de você, a não ser você mesma, enquanto não posso dizer a mesma coisa de vocês, Gina e Carol. Porque de vocês eu quis sexo, dinheiro, atenção. Eram boas para o meu ego.  Mas olhe, Carol eu gostei de você... embora o maior motivo por eu tê-la escolhido, foi para provar a mim mesmo que eu poderia vencer o Fernando, o garoto mauricinho da faculdade, cheio da grana, família perfeita, nascido em berço de ouro. Ele me irritava quando falava com a família ao telefone. Desculpe, Fernando, mas minha experiência familiar foi bem diferente da sua.

Mas Carol, ainda dá tempo de vocês dois ficarem juntos. Sabe muito bem que ele sempre gostou de você, e lerdo do jeito que é, quem sabe ainda goste... não me leve a mal, Fernando, você foi um bom amigo. Eu é que não fui. 

Quanto a você, Ronaldo, eu jamais o enganei; você é que olhou para mim e me viu como gostaria que eu fosse! Cara... como é que alguém segue os conselhos de um perfeito estranho, colocando na conta bancária dele todas as suas economias? Você pediu, implorou para ser enganado, Ronaldo! Qualquer outro cara teria sido bem mais espero, e pelo menos, verificado meus antecedentes... mas você não! Acreditou em tudo o que eu falei sem questionar. Mas uma coisa ficou de bom desse relacionamento: você saiu do armário, descobriu do que realmente gosta. E eu também. Saiba que cada momento na cama com você foi um tremendo sacrifício, embora você seja um cara legal, porque eu gosto é de mulher. Fiz apenas por dinheiro. Mas olha só como a vida é irônica: tenho muito dinheiro, mas não vou a lugar nenhum com ele. Mas foi divertido obtê-lo. Obrigada por me ajudar e confiar tanto em mim. Desejo sinceramente que você esteja feliz. 

E você, querida Gina... nenhuma mulher hoje em dia é tão ingênua! Vai me dizer que você não sabia que aquela clínica era de aborto? E que nem desconfiou o que estávamos fazendo lá? E como é que você vai confiar em um cara que, mesmo namorando sua melhor amiga, dá em cima de você? Ou seja: você não é muito melhor que eu. Não mesmo... você foi comigo àquela clínica e deixou que a culpa toda caísse em cima de mim pelo que você mesma queria fazer, mas não tinha coragem. 

Depois, vitimizou-se. E você sabe muito bem que eu estou dizendo a verdade.
Mas eu vou dizer agora o motivo de vocês estarem todos aqui, mesmo depois do que eu fiz: é que no fundo, todos pensaram que talvez eu pudesse ter mudado e me transformado no que vocês queriam. Mas não, eu sou o mesmo cara, só que bem mais feio agora, e quase morto. É bom que me vejam desse jeito, pois assim será mais fácil para vocês me esquecerem.”
Dizendo aquilo, ele retirou o boné e mostrou sua cabeça totalmente calva. Ergueu a camiseta, e mostrou as marcas arroxeadas pela pele, a magreza acentuada de seu corpo, o tubo que saía entrava em seu abdômen e o outro por onde passavam suas fezes, que descansavam em um saco ao lado do corpo. 

“Vejam, nem cocô eu consigo fazer mais. Agora, Fernando, quando você acordar de manhã e perguntar ao espelho se existe alguém no mundo mais bonito que você, ele vai responder que não. Isso não é ótimo?”

Valéria chorava copiosamente. Aliás, todos choravam. 

“Mas eu tenho ótimas notícias: vou devolver a vocês tudo o que tomei,  com juros e bônus. Vocês vão ficar todos bem. No fundo, o que eu tomei de vocês foi apenas dinheiro. O resto, vocês me deram de livre e espontânea vontade. Todo o dinheiro que tirei de vocês foi muito bem aplicado, rendeu juros e correção, triplicou de valor. E até quem deu menos, como vocês, Gina e Carol, vai ficar muito bem. Assim que eu bater as botas, meu advogado disponibilizará uma quantia muito boa de dinheiro para todos vocês, que cobrirá tudo o que roubei e muito mais. Valéria, além do dinheiro de Cleide, devolvo-lhe esta casa e o apartamento. Faça bom proveito de tudo, e saiba que cada momento que passamos juntos foi verdadeiro. Mas eu sou como eu sou. Talvez eu a ame. Se amor for o que eu estou sentindo agora, então eu a amo.”

Ele fechou os olhos durante algum tempo, permanecendo em silêncio, e quando os abriu, tinha-os rasos d’água.

“Agora adeus a todos. Eu, que sempre adorei entradas triunfais, despeço-me da mesma maneira.”

O vídeo terminou, e a tela ficou azul. 

Após algum tempo de silêncio, Fernando exclamou, tentando disfarçar a emoção:

“Bem, jamais saberemos se dessa vez ele disse a verdade.”

Gina retrucou:

“Onde será que ele está agora? Será que ainda está vivo?”

Ronaldo abraçou Valéria, dizendo:

“De você ele gostava. Deu para sentir. Pelo menos, ele tomou uma única atitude digna na vida, enquanto tantas pessoas falsamente dignas morrem sem fazer isso.” 

Carol aproximou-se deles, abraçando-os também, e logo Gina e Fernando juntaram-se ao abraço. 

Valéria disse, ainda enxugando as lágrimas:

“Tudo tem um motivo. Pelo menos, ficamos nos conhecendo. Espero que possamos ser amigos, e que esta casa continue sendo o nosso principal ponto de encontro.”


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A muitos quilômetros dali, Padre Antônio encheu o copo com água, oferecendo-o a Rodrigo, que semi-adormecido, apenas molhou os lábios levemente. Rodrigo estava muito fraco e pálido, ele pensou. Mas logo tudo estaria acabado.
Rodrigo despertou de repente, abriu os olhos, inclinando a cabeça na direção dele:

“Oh, padre Antônio... o senhor voltou!”

“Sim, eu voltei. Estarei por aqui enquanto você precisar.”

Rodrigo puxou o ar com dificuldade:

“Grato... acho que não vai demorar muito tempo, não é?”

“Não, não vai.”

Padre Antônio ajeitou-lhe as cobertas e o travesseiro, e depois impôs as mãos sobre ele, fazendo uma oração silenciosa de olhos fechados. Quando terminou, caminhou até o pé da cama.

“Sente-se melhor?”

Rodrigo respirou fundo, e percebeu que sua respiração estava um pouco mais fácil.

“Sim, obrigada. Sabe, morrer aqui sozinho não seria uma experiência muito boa. Mas por que o senhor veio ficar comigo, que não passo de um canalha?”

O padre riu:

“Acredite-me há canalhas piores que você. E vejo um grande potencial em você, meu jovem.”

Agora foi a vez de Rodrigo rir:

“Como? Não passo de um canalha terminal!”

“Isso é o que você consegue enxergar, meu menino. Há muito bom potencial em você, que se desenvolverá e fará de você um grande homem!”

Rodrigo riu novamente. Padre Antônio passou a mão sobre sua testa, já quase fria, e ele adormeceu.
Duas funcionárias que faziam a limpeza do quarto observaram a cena, e conversaram:

“Pobre rapaz. Tão jovem, tão bonito! Uma pena!”

“Eu só queria saber com quem ele tanto conversava... “

Nisso, a outra respondeu, com ar de mistério:

“sabe-se lá...”



FIM





segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - PARTE VII




O Último Final de Semana – parte VII


Noite de Sexta-feira. Valéria foi a primeira pessoa a chegar na casa de praia. Entrar novamente naquela casa onde fora tão feliz, fez com que sentisse muitas saudades dos pais, e infelizmente, pensou, de Rodrigo. Ela o odiava mais que tudo na vida, e também o amava mais que tudo na vida. Ela acendeu as luzes e olhou em volta; notou que a casa tinha sido muito bem limpa, embora as paredes estivessem descascando aqui e ali, e o tecido do sofá, antes tão bonito, mostrasse uma cor desbotada. A casa era bela, mas decadente. Mas onde estaria Rodrigo? Esperaria por ele na sala de TV. 

Fernando e Carol chegaram praticamente juntos, alguns minutos depois, os dois ficaram muito surpresos em se encontrarem ali novamente, e após tantos anos. Fernando notou que Carol continuava linda, e que ainda estava apaixonado por ela. Eles conversaram na praia durante algum tempo, e quando avistaram as luzes na casa, concluíram que Rodrigo já deveria estar ali, e foram bater à porta. Valéria teve um sobressalto; seria Rodrigo chegando? Mas por que ele bateria à porta? Olhou pela vidraça, e viu os dois jovens parados. Não os conhecia. Hesitou, mas concluiu que pareciam inofensivos, e abriu-lhes a porta. Fernando e Carol se entreolharam, pois não conheciam a bela mulher que atendera à porta, perguntando o que desejavam. Foi Fernando quem falou:

“Estamos aqui a convite de Rodrigo. Ele nos escreveu pedindo que viéssemos aqui. Você é quem?”
Valéria mandou-os entrar. Viu que estavam tão confusos quanto ela.

“Meu nome é Valéria, sou filha de Cleide, a mulher que adotou Rodrigo após o acidente que matou seus pais.” E ela mandou que se sentassem, servindo-lhes um drink. Os três conversaram durante algum tempo, falando sobre como tinham chegado até ali, até que a campainha tocou novamente; era Gina. Valéria mandou que entrasse, e quando Gina e Carol se viram diante uma da outra, elas se olharam em silêncio, a hostilidade vibrando no ar entre elas. Mas cumprimentaram-se educadamente, e Valéria acomodou Gina no assento próximo ao de Carol – não sabendo da rivalidade que havia entre elas. A sala estava constrangedoramente silenciosa. O som abafado da TV, ligada na sala ao lado, era a única coisa que cortava o silêncio. Os três jovens se entreolhavam e baixavam os olhos quando percebiam que seus olhares eram correspondidos, dando sorrisos sem graça. 
Carol pensava que o que acontecera entre ela e Rodrigo tinha sido há muito tempo, e que não fazia mais sentido guardar tantos ressentimentos contra Gina, pois ambas tinham sido apenas vítimas dele. Valéria indagava-se sobre quem seriam, realmente aquelas duas mulheres, e que importância tiveram na vida de Rodrigo. Acabou concluindo que deveriam ter tudo a mesma importância que ela, ou seja: nenhuma! Sendo assim, achou que poderia ser mais gentil e aberta, e perguntou:

“Bem, então vocês eram colegas de faculdade de Rodrigo? Nunca tinha ouvido falar em vocês... mas também, quando Rodrigo foi para a faculdade, perdemos contato.”

O som forçosamente amigável da voz dela fez com que as duas outras mulheres compreendessem que ela e Rodrigo tinham sido amantes. Mas que também já não tinha mais tanta importância. Fernando 
olhou o relógio, impaciente:

“Quase dez horas da noite. Ele está demorando. Será que aprontou mais uma das suas?”

As mulheres olharam para ele. Valéria respondeu:

“Rodrigo é mesmo assim, imprevisível. E não confiável. Espero que eu não tenha perdido meu tempo.” 

Gina falou:

“Nem sei porque vim, eu não deveria estar aqui depois de tudo... acho que eu vou embora...”

Mas Carol interrompeu-a:

“Não, fique, Gina. Já que estamos aqui, por que não esperar um pouco mais? A estrada é perigosa á noite.”

“Eu vim de ônibus, posso ficar em um hotel e ir embora amanhã.”

“Não, olhe, eu te dou uma carona de volta.”

O tom jovial de Carol fez Gina lembrar-se do quanto tinham sido boas amigas no passado, e ela sorriu, desarmando-se. Fernando percebeu, e respirou aliviado.  A tensão pareceu aliviar-se um pouco, enquanto Valéria serviu-lhes novos drinks e foi até a cozinha preparar algo para todos comerem. Havia macarrão no armário, molho de carne, um pedaço de queijo na geladeira, pão... e vinho tinto; faria uma macarronada. 

Ela trabalhou rapidamente, pensando na mensagem que recebera, a qual dizia que Rodrigo estava muito doente... seria verdade? Ela não acreditava! Também achava que não deveria ter ido, mas estava ali. E aquelas duas mulheres não poderiam ser consideradas suas rivais, pois Rodrigo as conhecera depois que se separaram. Mas estava claro, pela tensão entre as duas, que algo muito ruim havia acontecido entre eles. Mas ela lembrou-se que coisas ruins sempre aconteciam quando Rodrigo estava presente.

A campainha tocou novamente; era Ronaldo, que apresentou-se como amigo de Rodrigo. Como Valéria, ele não conhecia ninguém naquela sala, mas sentiu-se bem acolhido por todos, que estavam jantando, e após as apresentações, logo convidaram-no para juntar-se a eles. A macarronada de Valéria estava deliciosa, e todos tomaram muito vinho. 

De repente, os três amigos começaram a falar das muitas vezes em que tinham visitado aquela casa. Contaram histórias engraçadas que tinham vivido ali, na companhia de Rodrigo, e os ressentimentos que guardavam contra ele pareciam ter dado uma trégua ao se lembrarem do quanto já tinham se divertido juntos antes de... 

Valéria e Ronaldo escutavam as histórias em silêncio, rindo de vez em quando. Valéria ficou conhecendo um lado da vida de Rodrigo que ela nem sequer imaginava que tinha existido, e Ronaldo também. Foi quando Fernando, olhando para eles, perguntou:

“E vocês? Como conheceram Rodrigo?”

Valéria hesitou antes de responder:

“Como eu já disse, ele foi adotado pela minha mãe, que era prima da mãe dele. Eu o conheci quando ele tinha treze anos, e eu, quinze. Nós crescemos juntos...”

Lágrimas vieram aos olhos de Valéria, e todos compreenderam que ela já tinha sido apaixonada por Rodrigo – ou ainda era! Ronaldo perguntou:

“Você e ele foram namorados?”

Ela assentiu. Gina e Carol confessaram que elas também, e todos ficaram boquiabertos quando Ronaldo disse que ele e Rodrigo tinham tido um caso. Mas ele logo arrematou a história, dizendo que estava bem agora e que já esquecera tudo.”

“Eu nem ia vir, mas na última hora, eu me vi entrando no carro e dirigindo para cá.”

E todos disseram, ao mesmo tempo:

“Eu também!”

Após rirem da coincidência, perceberam que Rodrigo ainda exercia grande poder sobre eles. Apesar da situação tensa, eles descobriram que gostavam uns dos outros. Logo, Valéria abriu outra garrafa de vinho (a terceira). Por algumas horas, esqueceram-se de porquê estavam ali, e conversaram animadamente. Andando pela casa, Fernando achou a velha vitrola de discos de vinil, e colocou uma velha música para tocar. Todo mundo que estava presente tinha uma história com Rodrigo e aquela música, pois ele a adorava! Logo, lembraram-se de tudo que Rodrigo havia feito com suas vidas, e o ressentimento voltou a surgir e ocupar aquele espaço cheio da presença dele. Carol desligou o aparelho de som. Novamente, o som das TV chegou até eles. Aquela casa era tão familiar para todos eles... como puderam não perceber quem Rodrigo era realmente?

E quem era ele?

A noite avançava rapidamente. Logo, todos estavam sentados no sofá, sonolentos. Valéria disse que poderiam passar a noite na casa, e eles concordaram. 
Ronaldo estava pensativo, olhando o mar, quando Gina o abordou:

“Eu não sabia que Rodrigo era... gay.”

“E eu acho que ele nunca foi. Só se aproximou de mim porque queria meu dinheiro. E eu caí feito um idiota... mas no fundo, foi bom, pois antes dele, eu estava para casar-me com uma mulher que eu não amava só porque ainda não sabia que eu era gay.”

“A vida é estranha...”

“É. E qual a sua história com ele?”

“Muito feia. Eu pensava que ele me amava, mas após levar todas as minhas economias, descobri que ele estava tendo um caso com minha melhor amiga. A Gina, que está sentada ali.” 

Gina ergueu o braço, mostrando-se. Começou a contar sua própria história:

“O bastardo me engravidou e depois em fez fazer um aborto, dizendo que o médico só faria um exame. Perdi o bebê e não posso mais ser mãe por causa dele.”

Todos mostraram-se chocados, e Carol também, dizendo não saber que aquilo tinha acontecido com ela:

“Ah, eu não tinha ideia disso, Gina! Nossa... sinto muito!”

Mas Gina sorriu tristemente, encolhendo os ombros. Apontou para Fernando:

“E o Fernando, que sempre foi apaixonado por você, Carol, perdeu-a para ele.”

Fernando ficou muito vermelho, pigarreando:

“Isso é coisa do passado. Mas ele foi tão cretino comigo quanto foi com vocês, podem acreditar. E quanto a você, Valéria?”

Ela encolheu os ombros, tomando mais um gole de vinho antes de falar:

“Simplesmente, seduziu a minha mãe e todas as amigas dela. Isso, aos treze anos de idade! Depois, me seduziu. Ele era simplesmente fascinante, e usando de seu fascínio e de chantagem, deixou-nos na rua da amargura. Minha mãe teve que deixar esta casa e um apartamento para ele, e também pagou caro pelo seu erro, pois doou quase todo o nosso dinheiro para que ele se calasse e não a acusasse de pedofilia.”

Dizendo aquilo, ela começou a dar gargalhadas. Todos estavam chocados, pois perceberam que ela estava histérica e bêbada, e que a história delas era a mais feia de todas. Fernando abraçou-a, enquanto Valéria tremeu nos braços dele. Finalmente, ela se acalmou. Após um longo silêncio, Carol ergue a voz, tentando soar animada:

“Hey! Já que estamos aqui, por que não aproveitamos e nos divertimos um pouco? Vamos dançar!” 

Todos olharam para ela, meio-bêbados e confusos, mas ninguém respondeu. Ela correu até o aparelho de som, escolhendo uma música bem alegre, e dançando, puxou Ronaldo para o meio da sala. Os dois começaram a dançar, e logo, Gina juntou-se a eles. Mais tarde, Fernando convidou Valéria, que aceitou, e todos continuaram dançando durante bastante tempo. Valéria abriu mais algumas garrafas de vinho e serviu fatias de pão e queijo. 

Lá fora, uma lua imensa e branca observava aquela cena através da vidraça. 

Quando se cansaram, espalharam-se pelas almofadas e tapetes, rindo muito. Depois, todos silenciaram, parecendo pensativos e muito cansados, e Valéria disse:

“Querem saber? Aquele bastardo pode estar nas últimas, mas pelo menos, proporcionou-nos esta oportunidade de nos conhecermos!”

Todos olharam para ela, e Fernando perguntou, surpreso:

“Como assim, nas últimas?”

Valéria percebeu que eles não sabiam ainda. Continuou, com mais cuidado:

“Então ele não lhes disse? Rodrigo está morrendo. Tem câncer em estágio terminal.”

Foi um grande choque para todos ali presentes. Ninguém foi capaz de dizer mais nada. Apenas Ronaldo pôs-se a chorar, um choro sofrido e soluçante. Carol passou um braço em volta dos ombros dele, consolando-o. Fernando desabafou:

“Quem diria... então agora há um motivo para estarmos aqui, finalmente...”
Gina respondeu:

“Será que ele se arrependeu do que fez e quer desculpar-se?”

Mas foi Valéria quem encerrou o assunto:

"Ele nunca se arrepende. De nada.”

(CONTINUA...)



terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - PARTE VI






O Último Final de Semana – parte VI

Na cidade para onde mudou-se e matriculou-se na faculdade de Direito, Rodrigo logo fez amigos. Apesar de ter uma fortuna, criou para si uma falsa vida de lutas e dificuldades, pois percebeu que daquela forma, as pessoas se identificavam melhor com ele e as garotas o apreciavam mais pela sua garra e força de vontade; também conseguia fazer com que as pessoas, querendo ajuda-lo, pagassem por coisas para ele. Seu dinheiro crescia na conta bancária, em vários investimentos que fizera. Rodrigo poderia ser considerado rico, embora ninguém soubesse de sua fortuna, que ele fazia questão de manter em segredo. Levava os amigos para a casa de praia, como se ela já fosse sua. Sabia que não corria riscos de encontrar 

Valéria ou Cleide por lá. Às vezes, encontrava alguns vizinhos, que o cumprimentavam, e até concordava em participar de algumas das suas festas (todos pensavam que ele era um bom menino, pois Cleide e Valéria mantiveram toda a história em segredo) mas aquelas pessoas não eram sem fazer qualquer reparo ou reforma. Dizia a todos que era tudo o que seus pais tinham deixado para ele. Os finais de semana eram sempre muito divertidos, regados a muita bebida, muita música e dança, e até mesmo algumas drogas que alguns amigos usavam. Mas Rodrigo não gostava de drogas. 

Nunca mais recebera notícias de Cleide ou de Valéria. Quando pensava nelas, lembrava-se com saudades dos tempos das festas na praia, das pessoas ricas e de humor sarcástico que conhecera, mas acima de tudo, lembrava-se de Valéria com saudades. Perguntava-se se não seria ela a mulher de sua vida, pois sempre que pensava nela, seu coração aquecia-se de uma maneira estranha, e alguma coisa boa parecia surgir de dentro de sua alma conturbada. Fazer sexo com outras mulheres era algo que fazia por raiva, desprezo ou dinheiro. Mas com Valéria, todas as vezes tinham sido especiais. Ela era a sua fadinha ruiva, a que ele acomodava entre seus braços e deixava-se desarmar quando ela estava por perto. Com ela, ele não precisava fingir. Ela trazia à tona o que de bom restava nele. Não vê-la mais fazia seu coração pesar, e ele lamentava que seus planos não tivessem dado certo. Realmente desejara casar-se com Valéria. O fato de ter depredado a fortuna dela e arruinado a saúde de sua mãe, não passavam pela cabeça de Rodrigo. Ele simplesmente achava que fizera o que fora preciso, o que deveria fazer, o que lhe tinham ensinado. E depois, mesmo que tudo ficasse sendo dele, se Valéria fosse a sua esposa, tudo seria dela também.

Mas teve que deixa-la. Lamentava, mas a vida continuava. E ele só andava para frente. Era seu lema: “Para frente, sempre.” Passando por cima de quem fosse preciso para alcançar o que ele queria. As pessoas não eram dignas de amor; eram apenas um recurso a ser usado para que ele tivesse o melhor da vida. Para frente, sempre...

Dois anos depois de sua partida, e após os acontecimentos já relatados aqui, Rodrigo recebeu a notícia da morte de Cleide. Nada sentiu. Tudo continuou como antes em sua vida. Mesmo quando seus amigos descobriram que a vida dele era uma mentira, ele se manteve de cabeça erguida, e  assim que a sua situação entre eles tornou-se insustentável, foi procurar novas vítimas. Foi quando conheceu Ronaldo. 

Assim Rodrigo vivia: como um predador voraz, um gafanhoto que, por onde passava, deixava um rastro de destruição nas vidas que tocava. E ele mesmo nem tinha real consciência disso. Até que um dia, sentiu-se mal. E estava sozinho. Não deu importância, achando que tinha sido algo que comera. Mas o mal estar voltou, e da última vez, tão forte que ele desmaiou. Quando acordou, sentia-se horrível. Pensou em ligar para Ronaldo, mas depois pensou melhor e decidiu ir sozinho para o hospital, onde submeteu-se a vários exames. Lá, as enfermeiras ficaram todas muito maternais quando souberam que ele era um órfão. Pobre menino, tão jovem e lindo, tão sozinho, sem família, longe de casa, e com uma doença tão séria! Elas todas faziam questão de passar pelo quarto dele para dar-lhe algum conforto.

Após os exames, Dr. George, um oncologista, foi categórico:

“Rodrigo, você tem algum parente?”

Ele pensou um pouco, antes de responder, a fim de dar mais dramaticidade à cena:

“Não... meus pais morreram em um acidente quando eu tinha treze anos, e fui adotado por uma prima de minha mãe, que morreu quando eu estava na faculdade... sou uma pessoa completamente só no mundo.”

O médico sentiu-se penalizado:

“Tem algum amigo com quem possa contar?”

“Não... todos os meus amigos moram bem longe daqui. Mas por favor, doutor, o que eu tenho?”

O médico respirou fundo, sentando-se ao lado da cama de Rodrigo:

“Os exames mostram um câncer avançado no aparelho digestivo. Infelizmente, o diagnóstico não é promissor.”

Rodrigo sentiu o coração bater na garganta. Logo agora, que ele tinha tudo o que era preciso para começar, realmente, a viver? Logo aos 29 anos de idade, com toda a vida pela frente? Aquilo não poderia estar acontecendo com ele. Mas estava! Ele chorou, o que causou grande comoção no médico. Dr. George era muito profissional, e jamais se envolvia emocionalmente com seus pacientes, pois achava que desta forma poderia ajuda-los com mais eficiência, mas aquele jovem partiu seu coração. Colocou a mão no ombro dele, desajeitadamente:

“Sinto muito, meu jovem.”

Rodrigo enxugou as lágrimas: ele tinha dinheiro, muito dinheiro! Olhou para o médico:

“Mas existem tratamentos, não é? E eu... eu posso pagar! Sou herdeiro de uma grande fortuna, e posso pagar!”

“Sim, existem tratamentos paliativos que darão uma boa qualidade de vida a você. Não sentirá dores, levará uma vida praticamente normal se tomar os medicamentos.” 

“E então, não é tão sério assim, não é doutor?”

O médico respondeu, após engolir em seco:

“Infelizmente, é muito sério. Aconselho que você procure passar todo o tempo possível junto das pessoas que ama.”

Rodrigo pensou, e descobriu que estas pessoas não existiam.

“Mas... como assim? Por que?”

Doutor George completou sua frase:”

“Porque você não tem muito tempo, Rodrigo.”

Aquelas palavras desceram pela garganta de Rodrigo como se fossem pedras. Ele ouviu a própria voz perguntar ao médico quanto tempo ainda tinha, e ouvir a resposta quase em transe: “Alguns meses. Talvez três ou quatro. Quem sabe, um pouco menos.”

Ao sair do hospital, numa manhã gelada de sábado, Rodrigo andou pela cidade como um autômato. As pessoas passavam por ele, e ele entendia que nenhuma delas sabia do seu drama, e se soubessem, não se importariam. A vida continuava como se nada tivesse acontecido. Pela primeira vez, ele lembrou-se de Cleide e pensou no que ela deveria ter sentido durante a sua doença. Mas foi apenas uma curiosidade, e não uma crise de consciência. Foi caminhando sem destino, até que saiu da cidade e começou a caminhar por um bairro arborizado e bonito. O céu de chumbo e a manhã gelada davam-lhe mais vigor. Estava tomando remédios, e sentia-se bem. Quem sabe, o médico não poderia estar enganado?... Não; ele mesmo vira os resultados dos exames. Eram terríveis. Mas naquela manhã cinzenta, ele se sentia tão bem que poderia fingir que tinha saúde. A não ser por um leve cansaço, Rodrigo parecia tão saudável quanto qualquer uma das pessoas que passavam por ele. Mas de repente ele começou a imaginar quais delas tinham a mesma doença e não demonstravam. Algumas, quem sabe, estavam doentes e não sabiam ainda. “A vida é engraçada,” pensou. E riu. Riu de si mesmo e da peça que a vida lhe pregara. Pensou na vida após a morte; será que ela existia? Se existisse, corria o risco de reencontrar seus pais. Bem, ele não queria rever sua mãe, e esperava que ela estivesse queimando no fogo do inferno; mas seu pai até que fora um cara legal. Mas nunca o amou, nem sentiu-se amado por ele, pois quando ele tentou contar ao pai sobre o que a mãe o obrigava a fazer, ele mandou que se calasse e nunca mais dissesse aquelas coisas. Por isso, Rodrigo tinha cortado os freios do carro. Ora, quem poderia condená-lo quando estava apenas tentando salvar a própria pele? 

Será que havia mesmo um julgamento? Um Deus? E se ele fosse para o inferno, como sua mãe? Riu daquela ideia... na verdade, não acreditava em nada daquilo. Achava que assim que fechasse os olhos, deixaria de existir. Seria nada. E não haveria ninguém para lembrar-se dele. Não deixaria nenhum afeto nessa vida. E que diferença fazia, deixar ou não? Todos morriam. E se não havia mais nada, que diferença faria? 

Tivera bons momentos. Soube desfrutar. Algumas vezes, quando estivera com Valéria, fora até feliz! Sentira-se limpo. E sabia que, se houvesse um Deus, Ele não o odiava, ou não lhe deixaria ter momentos como aqueles. 
Quando deu por si, Rodrigo estava parado à porta de uma pequena igreja. A luz da manhã, atravessando o cinza-chumbo das nuvens, incidia sobre o sino no campanário, e este emitiu um brilho cor de bronze que atraiu os olhos de Rodrigo. 

Pássaros cantavam em uma árvore próxima, e contrariando a si mesmo e às suas crenças, Rodrigo decidiu entrar na igrejinha. 
Parou a porta e viu que ela estava vazia, embora o som de um órgão sendo tocado por alguém que ele não conseguia enxergar tornava o cenário ainda mais bonito. Rodrigo sentiu uma paz que jamais sentira. Entrou, e seus passos ecoaram no chão de ardósia. Sentou-se bem na frente, olhando o altar. A luz solar partia em cores os vitrais que ficavam por trás do altar, salpicando o chão de luzes coloridas. Rodrigo achou aquilo bonito. De repente, o órgão silenciou, e Rodrigo olhou para trás. Percebeu que a pessoa que estivera tocando era um padre, que se aproximava dele. Rodrigo deu-lhe bom dia automaticamente, e o velho padre cumprimentou-o com um sorriso, parando junto a ele:

“Olá, bom dia, meu jovem. Espero que minhas notas não tenham atrapalhado a sua concentração.”

Rodrigo negou com a cabeça:

“Eu já estava de saída...”

Tentou levantar-se, mas sentiu-se mal, e sentou-se novamente. O padre tocou-o no ombro:

“Você está bem? Já tomou café? Bem, eu estou indo tomar o meu café da manhã. Sabe, eu sempre rezo a missa das sete em jejum, mas já são quase nove horas agora e eu estou morrendo de fome. Me acompanha?”

Rodrigo mostrou-se confuso. Olhou para o velho padre e pensou que ele também estava morrendo, mas não era de fome... e que o homem que falava com ele parecia ser muito, muito velho. Mesmo assim, Rodrigo morreria antes dele. O padre insistiu:

“Vamos, me acompanhe, a sacristia é logo ali. E Dona Chica trouxe um delicioso bolo de fubá. Você vai gostar.”

Rodrigo resolveu esconder-se novamente por trás de sua capa de sarcasmo:

“Padre, eu não sou quem o senhor pensa.”

“Mas eu nem pensei nada!”

Rodrigo ignorou a brincadeira:

“Eu sou o Anticristo. E estou fazendo meu caminho de volta ao inferno.”

O velho padre não pareceu impressionar-se:

“E eu sou o Padre Antônio. E estou fazendo o meu caminho até a sacristia para tomar meu café da manhã. Me acompanha?”

Diante daquilo, Rodrigo cedeu. Achou o padre bem humorado, e ficou curioso a respeito dele. Ambos comeram praticamente em silêncio, e Rodrigo sentiu que o velho o observava cuidadosamente por trás da xícara de café e dos pedaços de bolo. Rodrigo comeu até fartar-se, servindo-se do bolo, dos brioches e das frutas. 

Quando agradeceu, já erguendo-se para sair, o padre indagou:

“O que você estava fazendo aqui, jovem? Com certeza, não é um frequentador da igreja.”

Rodrigo riu:

“Não, não sou. Como eu já disse, meu templo é outro. O senhor não gostaria de conhece-lo.”

O padre fez sinal para que Rodrigo voltasse a sentar-se:

“Gostaria sim! Por que não me leva lá? Já te mostrei a minha casa, agora mostre-me a sua, ou seja, a casa onde você está morando atualmente por livre e espontânea vontade, e da qual poderá sair quando quiser.”

Rodrigo olhou-o com curiosidade, franzindo as sobrancelhas e colocando o guardanapo sobre a mesa.

“O senhor é mesmo uma figura curiosa... não tem medo do diabo?”

O velhinho apertou os olhos:

“Ele é quem deveria ter medo de mim.”

Aquilo arrancou gargalhadas de Rodrigo. Mas o velho padre, servindo-se de mais café e recostando-se confortavelmente em sua cadeira, como quem se apronta para ouvir uma longa história,  continuou:

“Vamos lá, meu jovem, conte-me porque entrou aqui hoje. Estou curioso.”

E Rodrigo viu-se contando a ele toda a história de sua vida, sem poupar nenhum detalhe sórdido. O velhinho às vezes o interrompia para fazer perguntas – que faziam com que Rodrigo refletisse muito sobre tudo o que vivera – mas jamais o censurava ou demonstrava estar chocado com o que ele dizia. Muitas vezes, ele apenas pigarreava e assentia com a cabeça, como se estivesse compreendendo as razões de Rodrigo, embora não concordasse com elas. A manhã avançou rapidamente, transformando-se em uma tarde chuvosa. Quando Rodrigo finalmente terminou a sua história, olhou no relógio: quase duas da tarde! E ele estivera ali, falando e falando com um perfeito estranho durante todo aquele tempo!

Padre Antônio bocejou, e levantou-se da cadeira fazendo movimentos de quem está se alongando, e depois começou a tirar a mesa. Quando terminou, abriu a geladeira e pegando um pote, derramou seu conteúdo em uma grande panela que pôs sobre o fogo. Partiu fatias grossas de pão caseiro enquanto o perfume delicioso da sopa impregnava tudo, e após aquecê-las um pouco em forno elétrico, colocou-as sobre a mesa em um prato. Depois, serviu a sopa. Rodrigo nunca tinha provado nada tão delicioso, e comeu mais de uma vez, acompanhado pelo padre. Depois, pediu para usar o banheiro, e quando voltou à cozinha da sacristia, encontrou o padre tomando uma taça de vinho tinto e fumando um cigarro. Achou aquilo estranho, mas nada disse e aceitou o vinho que o padre ofereceu-lhe, recusando o cigarro. Padre Antônio deu algumas baforadas, e depois perguntou:

“Se você tivesse a chance de ter a sua saúde de volta, o que faria?”

Rodrigo não compreendeu o teor da pergunta, e franziu as sobrancelhas: “Como assim?”

“O que você faria, o que faria de diferente, Rodrigo? Pediria desculpas a alguém?”

Aquela pergunta pegou-o de surpresa; ele percebeu que nunca na vida tinha pronunciado palavras de desculpas sinceras a ninguém! Simplesmente, a culpa era algo que não existia na sua natureza, e ele disse aquilo ao padre. O velho homem não pareceu surpreso.

“E eu não o condeno por isso. Ninguém deveria expressar aquilo que não sente. Não é sua culpa se nasceu desse jeito, mas é necessário que você comece a caminhar em uma direção melhor, e passe a sentir melhor as coisas e as consequências de suas ações. Vai ser bom para você.”

“Não entendi...”

O Padre continuou:

“Rodrigo, você sofre de um distúrbio de caráter. Pode ser que tudo o que aconteceu na sua infância tenha contribuído para que isso viesse à tona, mas acredito que já tenha nascido assim. Porém, é possível adiantar esse processo... você tem que procurar todas as pessoas que feriu e pedir desculpas a elas, se possível, devolvendo-lhes tudo o que delas roubou.”

Rodrigo pensou antes de responder:

“Então o senhor crê que eu seja um psicopata ou algo assim?”

O padre não se fez de rogado, respondendo com firmeza:

“Sim. Mas quem sabe, agora que você está morrendo, não seja uma boa ideia preparar a sua próxima vida? A melhor forma de fazer isso, seria tentando reparar um pouco os seus erros, mesmo que você não os veja como tal. Seu coração está fechado. Veio lacrado de fábrica, mas com uma forcinha, quem sabe, antes de ir você não abre uma brechinha? percebi que você não teve muitos motivos para confiar nas pessoas quando criança, pois foi abusado por sua própria mãe, e quando pediu ajuda ao seu pai, ele ignorou-o... o que nos acontece na infância pode definir o nosso modo de encarar e entender as coisas da vida quando crescemos. acho que você ainda pode ter uma chance de melhorar.”

Rodrigo achou aquele padre um pouco maluco, mas alguma coisa dentro dele fez com que confiasse naquelas palavras. Ele realmente não conseguia sentir-se culpado, e disse aquilo ao padre.

“Eu simplesmente não sinto as coisas que as outras pessoas sentem. Não sou como elas. Não sei o que são coisas como piedade, amor, decoro, não entendo conceitos como honestidade, fidelidade ou lealdade. Para mim, a vida é um jogo, e para vencer, preciso aprender a jogar bem.”

“Mas para você, o jogo está acabando, Rodrigo. Por que não devolver as peças aos seus verdadeiros donos? Acredite em mim, vai ser muito bom para você; melhor ainda do que se você fosse como as outras pessoas, e sentisse arrependimento pelas coisas que fez, pois mesmo sem sentir-se arrependido, ou sem sentir tristeza ou culpa, você conscientemente estaria fazendo o que é certo. 
Muitos que dizem sentir todas essas coisas que você não sente, não fariam isso.”

Rodrigo gostou daquilo. O padre olhou para ele e fez uma última pergunta que finalmente, convenceu-o de que ele estava certo:

“Não existe, entre as pessoas que conheceu, pelo menos uma que foi importante para você, de quem realmente gostou? Alguém que fez com que você se mostrasse sem máscara pelo menos durante algum tempo?”

Valéria. Rodrigo assentiu com a cabeça, enquanto pensava nela. 

“Então, meu jovem, você tem salvação. A semente do amor foi plantada. Basta regá-la um pouco e ela crescerá, se não neste jardim, em um próximo!”

Dizendo aquilo, Padre Antônio levantou-se da cadeira e dirigiu-se à igreja. 

Rodrigo pensou por alguns segundos nas palavras dele, e uma grande paz deixou-o sereno, certo de que faria o que o padre aconselhara. Saiu da sacristia, pronto a dizer a ele o que faria, mas não o encontrou. Chamou-o várias vezes, sem obter resposta. Olhou em volta: estava sozinho. A chuva passara e a tarde avançava. Quem sabe, o padre tinha saído? Uma mulher entrou na igreja, e Rodrigo, após cumprimenta-la, perguntou:

“A senhora passou pelo Padre Antônio?”

A mulher olhou-o com curiosidade:

“Que padre Antônio?”

Ele descreveu o homem com quem estivera o dia todo, mas a mulher apenas negou conhece-lo, dizendo que o padre responsável por aquela paróquia chamava-se Bento.

Rodrigo ficou confuso, mas saindo da igreja, tomou um táxi para casa e naquela mesma noite começou a escrever e enviar seus e-mails. 



A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...