quinta-feira, 20 de abril de 2017

A MÃO E O LAÇO – CAPÍTULO III







Na segunda-feira após a festa, Shirley me contou que tinha transado com Julio atrás do sofá de minha avó. Fiquei chocada, pois eles poderiam ter sido descobertos; afinal, era uma festa! Havia gente na casa toda. Ela me respondeu dizendo que aquilo dava um ar de perigo à relação, deixando tudo ainda mais excitante. Perguntei a ela quando eles iam se ver de novo, e ela me olhou espantada:

-Como assim, nos ver de novo? Foi só uma transa sem importância. Eu, hein...

Fiquei boquiaberta, pois eu mesma jamais pensaria em transar por transar. Aos dezesseis, ainda era virgem. Ela riu quando eu disse a ela, mas depois, ficou me olhando durante algum tempo, e em seguida, baixou os olhos, parecendo triste. 
Às vezes eu achava que aquela Shirley que eu conhecia não passava de uma fachada, uma proteção que ela criara. Mesmo assim, gostava cada vez mais dela. 

Estávamos sempre juntas: eu, ela e Laura. Adílio sempre aparecia, mas éramos diferentes quando ele estava perto – talvez por ele ser menino – mas nós o adorávamos. Até que eu e Shirley percebemos que Laura gostava mais dele do que nós... quando Shirley perguntou a ela: “Por que você não dá em cima dele?” Laura apenas encolheu os ombros, dizendo:

-Se ele não me enxergava antes, como vai me enxergar agora, que só tem olhos para a Jordana?

Garanti que eu não queria nada de mais com ele, mas ela disse que aquilo não fazia com que ele ficasse a fim dela. Eu não queria que uma rivalidade nos afastasse, mas ela me garantiu que aquilo jamais aconteceria, mesmo se ele e eu ficássemos juntos. 

As aulas estavam terminando. As férias começariam em alguns dias, e havia algumas aulas vagas durante as quais tínhamos autorização para ler, conversar baixinho ou passear pelo pátio. Quase todas as  provas finais já tinham sido feitas, e minhas notas tinham sido ótimas. Eu estava feliz. 

Shirley dava e pedia ‘cola’, e ela o fazia de forma tão descarada, que nem chegava a corar quando o professor quase a pegava no ato. Trocava de prova com os outros alunos, passava e recebia papeizinhos com colas, dava dicas com as mãos quando o professor virava de costas. Eu achava imperdoável colar, mas ela me dizia que eu era correta demais; ora, a maioria das coisas que nos ensinavam na escola, jamais seriam usadas na vida prática; então, por que repetir um ano escolar apenas por não saber qual a raiz quadrada de algum número absurdo, ou quem descobriu um país do qual ninguém nunca tinha ouvido falar? Acabei tendo que concordar com ela, mas mesmo assim, ainda estudava para as provas, como sempre fizera. 

Naquela manhã de começo dezembro, eu de repente senti falta de Diana entre os de sua turminha de revoltados, e perguntei a Shirley se ela sabia aonde ela estava. Shirley desconversou, dizendo que não tinha notícias dela. Sem a presença de Diana, eu me sentia bem mais à vontade. Quando ela estava presente, sentia os olhos dela me queimando as costas sempre que eu passava. Tinha a sensação de que ela poderia pular sobre mim a qualquer momento, mesmo eu sendo uma protegida de Shirley. Mas mesmo assim, de certa forma, eu me preocupava com ela. 

No aniversário de Adílio, ela apareceu na festa. Seus cabelos negros e muito longos tinham sido cortados bem curtos, mas isso não diminuiu sua beleza selvagem nem um pouco. Quando eu a vi entrando no apartamento, quase desmaiei de susto, mas Adílio me disse para ficar tranquila; ele a tinha convidado porque já se conheciam há muito tempo, e me contou que tinham ‘ficado’ em uma festa, antes de ele me conhecer. 

Shirley ainda não havia chegado, como sempre, desejando que sua chegada se tornasse um evento notado por todos. 

O  clima entre Adílio e eu acabou esquentando, e durante uma dança lenta, ele me abraçou mais forte. Senti um calafrio, algo que nunca sentira antes quando estava com ele. Eu dizia a mim mesma que não estava a fim, mas então por que sentia aquele calafrio? Por que o cheiro dele estava me despertando sentimentos novos, que eu nunca sentira antes? De repente, o cabelo dele roçando minha têmpora deixava minha pele arrepiada, e a voz dele no meu ouvido quando conversávamos enquanto dançávamos, me fazia sentir uma coisa estranha entre as pernas. Algo que eu só sentia quando estava sozinha, tomando meus longos banhos de banheira.

Só sei que, quando dei por mim, o clima esquentara tanto que eu o estava beijando. Eu me deixei envolver por ele. Adílio estava muito bonito na festa, usando uma camisa preta e calças jeans novas. Tinha cortado o cabelo, repicando-o, e tirando aquela franja ridícula que lhe dava um ar infantil. Percebi que a camisa mais justa deixava entrever alguns músculos que eu não notara antes, sob as camisetas de malha largonas que ele gostava de usar. 

Eu deixei que ele me beijasse, e gostei. Senti que alguém nos olhava, e quando abri os olhos, vi Laura indo embora da festa. Sem querer, eu disse:

-Mas que merda...

Ele percebeu sobre quem eu falava, mas não porque.

-Mas por que? Você e Laura brigaram?

Olhei-o nos olhos; continuávamos dançando:

-Não sei, acho que sim...

-Acha?

-Vai me dizer que você não sabe que ela é a fim de você?

Ele fez a cara mais surpresa do mundo:

-Não, eu não sabia! Juro! Pôxa... que merda. 

-Pois é... e agora?

Ele me olhou, e me beijou de novo. E eu deixei. Mais uma vez, senti que alguém me olhava insistentemente, e quando olhei, vi Diana de pé num canto da parede, nos observando. 

-Ah, não – eu disse – era só o que faltava!

Ele olhou para onde eu estava olhando, e entendeu.

-Parece que está todo mundo a fim de mim hoje... será que é porque é meu aniversário?
Eu ri:

-Seu metido! Até parece. 

Diana estava com as mãos abertas encostadas à parede, como se pudesse sair correndo a qualquer momento. A música terminou, e Adílio foi até a cozinha pegar alguma bebida para nós – ao contrário de vovó, os pais dele não se importavam se misturássemos gim ou rum à Coca-Cola, desde que ninguém ficasse bêbado. O apartamento de Adílio não chegava a ser metade da metade do tamanho da casa de minha avó, mas a festa estava tão concorrida quanto. A porta da frente estava aberta, e havia gente até no corredor do prédio. 

Joguei-me rapidamente em uma poltrona que ficou vazia de repente, e para meu espanto, vi Diana caminhando em minha direção. Engoli em seco. Ela se inclinou para mim, e eu pude olhá-la nos olhos e sentir seu perfume forte de Patchuli:

-Espero que você seja legal com ele. 

Continuei olhando para ela, mas não respondi, pois não sabia o que dizer. 

-Adílio é um dos meus melhores amigos. Ele me contou que estava apaixonado por você. Ele disse que você é legal. Shirley também. Ela é...

Diana ia me contar alguma coisa, mas de repente, pareceu mudar de ideia. A frase ficou no ar, cortada pela metade. Tentei emendar:

-...Ela?... 

Diana respirou fundo, olhando para o chão. Ajoelhou-se perto da minha poltrona. Chegou mais perto de mim.

-Ela é minha quase meia-irmã. 

Meu queixo caiu:

-Sua quase-meia-irmã? Eu não sabia!

-Ninguém mais sabe. Meu pai... meu padrasto é pai dela. Quando ele se separou da mãe dela, ainda éramos crianças. E então ele se casou com a minha mãe. Mas ela não gosta que as pessoas saibam. 

Senti muita pena de Diana. 

-Por que?

-Porque... se eles souberem, saberão o que ele fazia com ela também. 

De repente, ela se levantou depressa, caminhando para o outro lado da sala de cabeça baixa. Adílio voltou com dois copos de Coca-Cola e gim. Achei melhor não comentar nada com ele. Fiquei pensando na história que Shirley me contara; ela havia me dito que o padrasto de Diana morava com a mãe dela e com ela há apenas dois anos. Aquilo era uma mentira! Diana acabara de me contar que ele se casara com sua mãe quando elas ainda eram crianças; mas por que Shirley mentia para mim, para todos? Ou será que Diana tinha mentido?

Enquanto pensava naquilo, escutei vozes exaltadas e assovios: era Shirley que chegava. Entendi imediatamente porque Diana fora embora correndo. Ela tinha medo de Shirley. Tinha medo de que Shirley a visse comigo. 
Shirley veio até nós, e quando nos viu de mãos dadas, ela arregalou os olhos:

-Hum... então, finalmente acertaram os ponteiros?
Eu não soube o que dizer; na verdade, ainda não sabia o que estava sentindo por 
Adílio. Ela não esperou que respondêssemos, e foi logo perguntando:

-Cadê a Laura?

Adílio e eu nos entreolhamos, e ele disse:

-Foi embora. Acho que não gostou de nos ver juntos...

Shirley ficou séria de repente, e olhando para mim, disse:

-Também... assim que ela contou a Jordana que gostava de você, ela vê vocês dois juntos! Parece que você só se interessou por Adílio porque soube que Laura gostava dele, Jordana! Êta amiga falsa!

Dizendo aquilo, ela deu uma gargalhada, e ao ver meu constrangimento, disse:

-Hey! Brincadeirinha! Espero que vocês sejam felizes juntos.

Eu não respondi, mas Adílio observou, em tom casual e divertido:

-Você fala como se estivéssemos nos casando, Shirley. Só estamos ficando. 
Achei muita cara-de-pau dele dizer aquilo, depois da intensidade dos beijos que déramos. Fiquei zangada:

-Acho que eu já vou indo. 

Adílio imediatamente notou a besteira que acabara de dizer:

-Hey, espere aí... ainda é cedo, Jordana. 

Shirley riu, dando-me dois beijos na bochecha. Depois, ela foi falar com Diana, assim que a viu do outro lado da sala. Eu insisti:

-Preciso ir, Adílio. Aliás... nem sei por que fizemos aquilo. Considere da seguinte forma: ficamos... e desficamos! Tchau!

Ele foi atrás de mim. Na calçada, ele me puxou de leve pelo braço:

-Vamos dar uma volta à pé? 

-Não!

-Posso ao menos te levar em casa? Já está tarde. Olha, eu não quis dizer aquilo... sou a fim de você desde que nos conhecemos.

-Tudo bem. Não precisa, moro a dois quarteirões daqui. Amanhã a gente se fala. Me liga. Agora eu preciso ir. Estou muito confusa...

Deixei-o plantado na calçada. Estava mesmo confusa, mas não por causa dele; pensava em Diana e Shirley: quase meio irmãs! Por que ela me escondera – por que ela escondera de todos? Será mesmo que Diana dissera a verdade? Será que minha amiga tinha sido abusada pelo próprio pai na infância?

Minha mãe estranhou quando cheguei em casa tão cedo após a festa – eram apenas 11 da noite. Ela estava com amigas na sala, jogando cartas. Dei boa noite a todas, e fui para o meu quarto. Ela foi atrás de mim.

-Tudo bem, filha?

-Tudo, mãe. Só estou um pouco indisposta.

Ela entrou, fechando a porta:

-Você sabe que pode me contar tudo. O que aconteceu? Há tempos não a vejo assim!

Na hora, senti uma vontade enorme de desabafar com ela. Olhei-a nos olhos; sabia que aquela não era uma boa hora, pois ela tinha convidados. Prometi;

-Conversaremos amanhã. Prometo. Mas não fique preocupada, não é nada comigo. É com uma de minhas amigas. Um problema. Não sei como ajudar ou o que fazer a respeito. Mas agora estou cansada, só quero dormir um pouco.

-Promete que não é nada com você?

-Não é não, mãe. Vá ficar com suas amigas! Vou tomar uma ducha, uma aspirina e ir dormir. 


Mas assim que saí do chuveiro, o meu telefone tocou; olhei no visor e vi o número de Laura. Respirei fundo, achando se deveria atender, e atendi. Ela disse:

-Me desculpe a atitude infantil na festa, Jordana. Só queria que você soubesse que está tudo bem. Isso é, não me importo de você e Adílio estão juntos. Ou melhor, eu me importo, mas não estou com raiva, entende?

-Laura, a gente só deu uns beijos... nem sei por que fiz aquilo, acho que bebi muito gim com Coca-Cola e fiquei meio-zonza. Eu... olha, não vai acontecer mais nada entre nós, Ok?

Ouvi a respiração dela do outro lado, e percebi que ela estava tentando conter o choro. Finalmente, ela disse, após uma breve fungada que ela tentou disfarçar, afastando o telefone:

-Olha, tá tudo bem mesmo!

-Eu sei. E vai continuar assim, amiga. Eu te devo desculpas. Sabe... não sei o que deu em mim, acho que foi a bebida... é isso. Não estou a fim dele, somos apenas amigos. Juro. Acho que você deveria se insinuar um pouco mais. Você quer que ele te note mais do que a uma amiga, não?

-Era tudo o que eu queria... mas ele está louco por você.

-Não está não. É porque sou nova no pedaço.

-Ele me disse. Nem se tocou o quanto estava me magoando. 

Me senti péssima. Nem sabia o que dizer a ela. Pensei naquela noite e em tudo o que fizera, e na maneira insensível que agi com duas pessoas de quem gostava demais. Falei:

-Essa noite foi um caos, Laura. Dei muita bandeira. Eu vou dormir, e amanhã conversamos melhor, Ok? Me desculpe.

-Ok. Não tem por que pedir desculpas. 

Nos despedimos, e fui dormir com os cabelos ainda molhados. 

(continua...)

4 comentários:

  1. Homem é tão desatento né?
    Por isso que nunca falo para eles que fulanas tem interesse rs...

    bjokas =)

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Simplesmente... não leia! Vou continuar postando o que eu quiser onde eu achar que devo.

      Apenas achei muito estranho o senhor mandar-me um e-mail pedindo para publicar um dos meus contos enormes e enfadonhos em seu blog, cobrindo-o de elogios, e logo em seguida, postar este comentário.

      Minha única conclusão, é que, após mandar-me a minha própria foto, em seguida ao e-mail elogiando meu conto, - foto sobre a qual o senhor, de maneira desrespeitosa comentou, pois todo mundo sabe que sou bem casada e fiel e que não estou na internet para arranjar relacionamentos - e ter sido literalmente ignorado, pois nem sequer respondi àquele e-mail ridículo, vem agora tecer-me críticas baseadas na rejeição que possa ter sentido.

      Sinto muito. Na verdade, não faço parte do coral das mulheres mal-amadas da internet, e meia-dúzia de palavras meladas jamais fariam com que eu me apaixonasse por alguém, mesmo que eu fosse solteira e estivesse a procura de relacionamento, fosse ele virtual ou real.

      aquanto ao conto publicado em seu blog, faça o que quiser, pois eu realmente não me importo. Aliás, o próximo capítulo da minha historinha enfadonha acaba de ser publicado, e continuarei publicando quantas mais eu quiser.

      Excluir
    2. Ora, amarelou, Senhor Tamburro? Excluiu o comentário?

      Excluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...