sexta-feira, 11 de agosto de 2017

JARDIM DAS DESILUSÕES Capítulo III






Saí do jardim e fui direto para casa, me sentindo bem melhor depois do que o misterioso velhinho me dissera. Chegando lá, contei tudo a Giulia, que me ouviu com ar descrente, e depois comentou:

-Cristina, esse homem não passa de um estranho, e pode estar enxergando o que não existe... como eu já te disse antes, já passei por esse caminho onde você está, e não foi nada bom me desiludir. Cuidado para não se ferir. Além do mais, embora você não goste dela, a Maria é uma ótima pessoa, e não é legal a gente se meter no relacionamento alheio.

Me joguei no sofá, emburrada:

-Você não torce para que o Nando fiquei comigo, não é?

-Não. E sabe por que? Porque isso não está certo! Ele tem uma namorada, Cris. E é apaixonado por ela. Vê se esquece! Além disso, eu gosto demais de vocês três e não quero ver ninguém machucado.

Eu olhei bem dentro dos olhos dela, que estava sentada na poltrona em frente ao sofá e disse:

-Alguém sempre sai machucado, Giulia. Eu já estou machucada. Mas... de repente, o velhinho tem razão! Ele tem experiência de vida e percebeu que o Nando me olha diferente.

-Ou talvez ele tenha te visto triste e quis te consolar. Bem, não faça nada que possa machucar vocês, Cristina. Vou te contar a minha história: eu era apaixonada pelo namorado de uma amiga. Ela não era muito bonita... e por isso eu achei que seria fácil tirar o namorado dela.

Comecei a prestar atenção na história, apoiando a cabeça no antebraço para vê-la melhor. Ela continuou:

-Então eu dei tanto em cima do cara, que ele acabou ficando comigo... com as duas! E de repente, eu estava em um triângulo amoroso com minha amiga e seu namorado, que não fazia menção de largar nenhuma das duas. Fiz pressão... nisso, minha amiga descobriu – pegou a gente conversando – na verdade, estávamos brigando – durante uma festa. Ela logo entendeu tudo. Perdi a amiga. E perdi o carinha, que ficou atrás dela.

-Nossa... sinto muito!

-Não sinta. Eu mereci.

-E quanto tempo isso durou?

-Fiquei com ele interpretando o papel de “A Outra” durante uns dois anos. Perdi minha melhor amiga. Hoje, eles estão casados. Os dois viravam a cara para mim quando passavam por mim, e eu me sentia péssima...

Pensei naquilo tudo, e comentei:

-Mas você disse que ela não era bonita... no meu caso, é o contrário: Maria é linda, e eu não sou.

Ela arregalou os olhos:

-Quem disse que não?

Eu ri:

-Eu tenho espelho. Sou a pessoa mais... sem graça do mundo, no que tange a beleza física. Não nasci com esse dom. Porque beleza deve ser um dom que alguma fada madrinha dá a alguém. A minha era uma fada meio-malvada, acho.

Ela se levantou, e passou por mim batendo em meu joelho, e indo em direção à cozinha:

-O papel de coitadinha não lhe cai bem. Pare com isso. Além do mais, amor nada tem a ver com beleza física.

Ela voltou de lá minutos depois, com duas xícaras de chá:

-Vamos fazer o seguinte: é quase natal e estamos sozinhas aqui. Nós vamos “turistar” por Paris! Com direito a Torre Eiffel, Louvre e tudo o mais. Começamos amanhã cedo. Até o natal, teremos visitado a cidade toda, e tomado um copo de vinho em cada bar desse lugar. E quem sabe, a gente não acaba se apaixonando por alguém?

Eu ri alto:

-Você, pode ser, mas eu...

-Ora, cale essa boca! Estamos em Paris, está nevando e é natal! Tudo pode acontecer. Amanhã vamos começar fazendo umas comprinhas. Roupas novas. 

E assim fizemos. Passamos o dia seguinte buscando roupas, sapatos, bolsas, maquiagem. Também passamos por um salão de beleza. Descontamos os meses de economia que tínhamos vivido desde que chegáramos àquela cidade. 

Aproveitamos a quota extra de dinheiro mandada pelos nossos pais, e esquecemos a promessa de economizar. E nos cinco dias que faltavam para o Natal, nós fomos ao cinema, ficamos bêbadas, visitamos museus e nos sentamos em cafés. 

Só não nos apaixonamos.

No dia 28 de dezembro, bem cedo pela manhã, Nando apareceu de volta. Eu estava sentada no sofá, estudando algumas matérias, quando ouvi a chave na fechadura, e meu coração quase saiu pela boca. Fiquei feliz quando ele entrou e fechou a porta: estava sozinho. Com certeza, Maria, cansada da viagem, tinha ido para a casa dela. Ele atravessou a sala até mim, e me pegou nos braços, me tirando do sofá (fiquei suspensa no ar, no colo dele) e me dando um beijo na bochecha. Nando era assim: espontâneo e meio maluco. 

-Bem vindo de volta ao lar, filho pródigo! Foi bem de viagem?

Ele fez uma cara estranha, e mudou de assunto:

-E como foi o natal por aqui?

-Foi ótimo. Enchemos a cara todos os dias, passeamos, fizemos compras e comemos feito duas vacas. A Noite Feliz foi regada a vinho tinto e nós nos empanturramos de brioches e massa. E o de vocês, lá no Brasil?

-Legal.

Eu logo percebi que ele não queria tocar no assunto, e mudei o rumo da conversa:

-Eu ... nós compramos um presente para você.

Corri até o quarto e trouxe a caixa com a camisa que eu e Giulia tínhamos escolhido para ele. Quando cheguei, ele também segurava um pacote. Trocamos os presentes. Ele me trouxera uma caixa de bombons de frutas brasileiras, que eu adorava. E disse ter gostado muito da camisa. Eu disse que tínhamos algo para Maria também. Ele desconversou, perguntando por Giulia em voz alta:

-Onde está a Giulia? Se ela estiver dormindo, vou comer os bombons dela!

Ela logo apareceu à porta do quarto, enrolada em um robe cor-de-rosa e calçando chinelos com caras de gato. Ao vê-lo, abraçou-o. Enquanto o fazia, me olhou diretamente. Ela perguntou:

-Pensei que Maria estaria com você. Compramos algo para ela. Onde ela está?

Ele percebeu que seria difícil não falar sobre o assunto, e respondeu, coçando a cabeça e se jogando no sofá:

-Ficou no Brasil. Decidiu que vai voltar em janeiro. Ela tem umas coisas para resolver por lá.

Giulia concordou com a cabeça, e não querendo ser intrusiva, mudou de assunto. 
Fomos todos tomar café na rua. Claro, eu estava exultante de felicidade, e não conseguia esconder. Porém, Nando não estava muito bem, e também não conseguia esconder. Mas tentava. Pela hora do almoço, acabou entrando no nosso clima, e fomos dar uma volta pelas ruas a fim de apreciar o dia ensolarado. 

Quando voltamos ao apartamento, já entardecia.

Durante aquele tempo juntos, notei que ele não checara suas mensagens nenhuma vez, o que me deixou mais feliz ainda. Quando ele foi para o quarto mais cedo, a fim de descansar da viagem, corri para a cama de Giulia, e me enfiei debaixo das cobertas com ela. Eu dava risadinhas e esfregava as mãos, e ela pareceu não gostar muito da minha cara de felicidade:

-Estou cansada, Cris... queria dormir.

-E você vai! Mas antes... acho que eles brigaram.

Ela abriu um olho.

-É óbvio. Mas isso não lhe dá o direito. 

-Mas... que mal existe em lutar pelo que se quer? Não estou entendendo você, Giulia. Pensei que fôssemos amigas. Afinal, se não estiverem mais juntos, o que me impede de tentar?

-Você nem sabe se eles estão juntos, droga. Segure sua peteca e controle seu entusiasmo. Agora, boa noite.

Fui dormir, mas fiquei “fritando” na cama a noite toda. Pensava que afinal, o destino estava sendo mais generoso comigo. Pensei, a noite toda, em estratégias para conquistar o Nando, e também fantasiei sobre nosso primeiro beijo e nossa primeira noite juntos... eu estava exultante! 

De manhã, na mesa do café, encontrei um Nando aborrecido e calado. O contrário do que ele geralmente era. Giulia tinha ido caminhar, e estávamos sozinhos em casa. Sentei-me e comecei a me servir, olhando-o de soslaio. Ele deu um sorrisinho triste e ficou brincando com o dedo no desenho da toalha. 

Arrisquei:

-Parece que alguém não dormiu muito bem... o que está te mordendo, Nando?

Ele me olhou longamente antes de responder:

-A Maria está grávida.

Senti meu coração parar durante dez segundos. O mundo começou a girar, e senti náuseas. O pão que estava em minha boca não poderia ser engolido, mas tive que fazer um esforço, então tomei um grande gole de suco de laranja. Senti que meu rosto estava vermelho, e meus olhos, cheios d’água. Tentei disfarçar, mas ele percebeu. Não disse nada, porém. Perguntei, a voz pequenininha, tentando engolir o choro:

-E o que vocês vão fazer?

-Ela quer tirar. 

-E você?

-Eu... não sei. Não gosto da ideia. É meu filho também. Ela ficou no Brasil para tomar uma decisão... o pior de tudo, é que ela pensa que esta decisão só cabe a ela, já que o corpo é dela, e esse monte de bobagens que a feministas dizem. Eu não sou favorável... ao mesmo tempo, não estou pronto para ser pai, casar, assumir esta responsabilidade...

Eu queria morrer. Queria chorar. Queria matar a Maria. Mas me limitei a dizer:

-Acho que vocês podem ter o filho sem casar. Uma coisa não tem nada a ver com a outra...

Ele concordou com a cabeça:

-Mas isso uniria a gente para sempre. Acho que deu uma esfriada, depois que ela me excluiu da decisão com tanta veemência.

-Mas... e se ela decidir ficar com o bebê?

-Eu não sei se a gente se casa, mas com certeza, eu vou assumir a criança. Não sou nenhum moleque.

Respirei profundamente, e fiz a pergunta cuja resposta eu não sabia se estava preparada para ouvir:

-Você ama a Maria, não é?

Ele estava de costas para mim, olhando pela janela. Fechei os olhos para ouvir a resposta. Ele demorou um pouco para responder, e finalmente, quase em um sussurro, Nando disse:

-Amo muito.

Senti como se tivesse levado um soco no estômago. Abri os olhos e ele estava me fitando, o olhar confuso. Me levantei e fui para a cozinha, fingindo que tinha ido buscar um copo d’água para que ele não me visse chorar. Naquele momento, Giulia chegou, salvando mais uma vez a minha pátria. Os dois ficaram conversando, e eu, segurando um copo d’água com a cara dentro da geladeira.

(continua...)





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