quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO IXX








Gabi finalmente conseguiu falar com Max através de um aplicativo. Ele não soube dizer a si mesmo o motivo pelo qual resolvera atender àquele chamado. Talvez porque seus melhores amigos não atenderam quando ligou para eles. Talvez porque, ao bater à porta de um deles, o pai do menino o mandou embora. E ao chegar em casa, encontrou-a vazia. Os empregados o receberam com fria hostilidade, sem dar importância ao fato de ele ser o dono da casa. Trataram-no com indiferença e não o obedeceram quando ele, com sua habitual arrogância, pediu que servissem alguma coisa para comer em seu quarto. 


Max não conseguiu contato com os pais, e ao ver as muitas tentativas de contato da irmã, ia ligar para ela quando Gabi o chamou para conversar. Gabi olhou para ele, e o que viu através da tela, não foi um rapaz sedutor e autoconfiante, mas um menino totalmente perdido. 

-Max, como você está? Estou tentando falar com você há horas!

-Oi, Gabi. Eu estou em casa agora. Eu... não tem ninguém aqui, sabe. 

-Onde estão seus pais?

-Eu... eu não sei!

Ao dizer aquilo, Max começou a chorar.

-Gabi, não sei o que vou fazer. Não sei para onde ir. Tá cheio de repórter lá fora. Eu estou com medo. 

Ela disse:

-Venha para minha casa. Onde está Jane?

-Não sei. Ia ligar pra ela agora. Eu vou até aí. 

E quando Gabi abriu a porta de sua casa para ele, deparou com uma das expressões mais amedrontadas que já vira: Max tinha os olhos vermelhos. Parecia estar usando a mesma roupa do dia anterior, uma camisa branca cara, mas meio-encardida e amarrotada. Ela o convidou para entrar. Os pais dela estavam no trabalho, e eles estavam à sós. Ela o chamou para a cozinha, e enquanto ele se sentou em uma cadeira junto á bancada, ela começou a fazer café e um sanduíche. Max tomou o café e devorou o sanduíche, agradecendo-a de boca cheia. Gabi ficou observando ele comer, e depois que ele terminou, ela disse:

-Fico feliz que esteja aqui, Max. Estava preocupada com você.

Ele a olhou, limpando a boca com o guardanapo de papel: 

-Parece que você é a única. Eu... tenho que te agradecer.

Ela olhou para o chão, sentindo-se desconfortável afinal, fora por causa dela que tudo aquilo tinha acontecido. Arriscou:

-Você não achou mesmo a minha pasta no carro, não é, Max?

Ele negou com a cabeça, terminando o último gole de café:

-Não. Por que?

Ela hesitou antes de responder, mas acabou achando que tinha que dizer a verdade, e então começou:

-Porque alguém deve ter achado. Tenho certeza que esqueci no seu carro, no banco de trás. 

Enquanto ela falava, ele se lembrou do exato momento em que Gabi tinha jogado a pasta no banco de trás.

-É, você está certa, eu me lembro de quando você a atirou no banco de trás... mas juro que olhei tudo e não achei. Mas quem poderia pegar uma pasta com os documentos da sua mãe?

-Tenho que contar uma coisa pra você, Max.

Ele olhou-a com atenção:

-Não eram documentos da minha mãe; era um dossiê sobre seus pais. Provavelmente, quem o 
encontrou tornou-o público.

Ele riu de nervoso, não acreditando no que estava ouvindo:

-Como assim, que dossiê? Onde você o encontrou, quem deu ele pra você, o que dizia?

Gabi olhou-o nos olhos:

-Eu o preparei. Quero dizer, eu e... algumas outras pessoas. 

-O que?! Mas o que você pretendia fazendo um dossiê sobre  aminha família?

Ela se encolheu quando ele gritou. Max ficou olhando para ela, aguardando uma resposta. Gabi criou coragem:

-Então... a Rafaela, mãe do Marvin, ela... estava muito preocupada com o Marvin porque ele andava estranho. Tomava drogas, bebia, chegava tarde... ela ficou sabendo do que rolava na sua casa, as festas, e tal. Queria apenas salvar o Marvin. E então... a vó Gertrude...

-Quem é essa tal de Gertrude?

-Mãe da Rafaela, avó do Marvin e da Melissa... ela teve essa ideia de pesquisar mais sobre vocês pra saber onde o Marvin estava se metendo. E nós  ajudamos. Eu, o Luis e a Melissa. A gente fez um contatos na deep web e tivemos acesso a alguns documentos sobre a ONG da sua mãe... e alguns negócios do seu pai. 

Max ficou pálido. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Sempre achou que os pais tinham alguns negócios escusos, mas não àquele ponto. Nunca tinha imaginado que a ONG era uma maneira de lavar dinheiro de tráfico de entorpecentes. Ou que sua mãe e seu pai estivessem envolvidos nisso até o pescoço. Nunca tinha se preocupado seriamente de onde vinha o dinheiro que ele gastava – e gastava em profusão, sem nunca preocupar-se com a fonte. Achava que não era problema dele. Gostava da sua vida, e para ele, isso bastava. 

Max sentiu-se ainda mais perdido: o que ia acontecer? Seus pais iriam ser presos? De onde viria o dinheiro agora? Para onde ele iria? Já tinha dezoito anos, mas sua irmã ainda era menor. Iria para alguma instituição? A cabeça dele começou a doer.

Gabi cortou o silêncio:

-Eu sinto muito! Não pensei que isso ia vazar. Ninguém pensou. Queríamos apenas uma maneira de proteger Marvin, sei lá, de provar para ele que ele estava embarcando numa canoa furada. Uma segurança que fizesse com que a família de Marvin pudesse enfrentar seus pais, se necessário, de igual para igual.

Ele a olhou magoado:

-Meus pais não são bandidos! Eles têm seu modo de viver e encarar as coisas. Além disso, receberam Marvin e sua familiazinha muito bem lá em casa, pelo que fiquei sabendo! 

Ela não respondeu. Ele tinha toda razão em estar magoado.

Max passou a mão na cabeça, respirando fundo. O café e o sanduíche davam voltas em seu estômago. De repente, ele sentiu que ia passar mal, e esticando o braço na direção dela, perguntou onde era o banheiro. Gabi ajudou-o a ir até lá, e quando ele terminou de vomitar, entregou-lhe uma toalhinha molhada que ele passou na testa e no rosto. Ela perguntou se ele queria um chá, mas Max de repente sentiu-se muito cansado. 

-Não dormi a noite toda. Estava em uma festa, eu... eu estou muito chapado. Tem algum lugar que eu possa dormir?

E Gabi levou-o para o quarto dela, ajudando-o a tirar os sapatos e deitar-se. Fechou as cortinas, cobriu-o e saiu, fechando a porta atrás de si. Max adormeceu imediatamente. 

Ela resolveu ligar para Melissa, que finalmente, atendeu o telefone.

-Oi, Melissa. O Max está aqui. Está lá no meu quarto, dormindo. Eu contei tudo para ele.

Melissa ouviu em silêncio. Ainda estava brava com a amiga. Controlou sua mágoa, e perguntou:

-Ele está bem? Tem notícias dos pais?

-Sim, e não. Ele está bolado, é claro. Mas não temos notícias de Sunny e Paco. Aquele tal deputado Tavinho está na TV dando entrevistas, e me parece que a intenção dele não é apenas limpar a própria barra, mas sujar a do casal cada vez mais. 

-É, eu notei. Vai ver, foi ele quem pegou a pasta. 

-É verdade! Melissa, acho que você acertou em cheio! E o Marvin?

Melissa demorou a responder. Não queria magoar a amiga.

-Ele está aqui.

Após uma pausa:

-Trouxe a Jane com ele.

Gabi pensou que fosse desmoronar de decepção, mas surpreendeu-se ao ver que o fato de que Jane estava lá, na casa de Marvin, não fazia tanta diferença para ela. Achou aquilo estranho. Na verdade, só conseguia ter pensamentos para o rapaz que dormia lá em cima, em sua cama. Estaria se apaixonando por Max? Se sim, concluiu, ela tinha realmente tendência a se apaixonar pelas pessoas erradas!

As duas se despediram, e logo que desligou o telefone, Melissa viu Luis entrando na sala. Estavam passando muito tempo juntos e sozinhos no apartamento de Gertrude, desde que tinham começado a trabalhar no dossiê, pois mesmo quando Gabi se despedia e Gertrude ia dormir, Luis ficava na sala com ela até mais tarde. E eles conversavam sobre muitas coisas, como planos para o futuro. Depois, ele a levava em casa em sua moto. Melissa o abraçava pela cintura, deitando a cabeça no ombro dele para escapar ao frio da noite.  Antes, quase sempre que se encontravam, havia Marvin, Gabi ou outros amigos por perto, e estarem à sós pela primeira vez fez com que parecesse a ambos que estavam conhecendo facetas um do outro que eram totalmente novas.  

Ele se aproximou, beijando a amiga no rosto:

-E aí, como estão as coisas?

-Meus avós brigaram, como sempre... baixaram o nível. Mas está tudo bem agora. Eles foram para casa, e mamãe e papai estão no trabalho. O Marvin está lá em cima, no quarto com a Jane. Eles voltaram, sabe... engraçado, não é?

-Pois é mesmo. Fizemos tudo isso para tentar separar os dois. Ele já sabe da verdade?

-Não. Ninguém ainda teve coragem de contar. Mas o Max já sabe de tudo. Está na casa da Gabi. 
Dormindo!

Luis deixou escapar uma risada:

-Não brinca! Dormindo... o Max está dormindo na casa da Gabi?

-Acredite se quiser!

-Cara! Ele, o cara mais arrogante do mundo, dormindo com a Gabi?

-Perái, eu não disse que eles estavam dormindo juntos; ele apareceu lá, passou mal, pediu um lugar para dormir, e ela deu. O lugar para dormir, é claro.

Luis balançou  a cabeça:

-Cara... nada mais me choca. Mas... vocês têm que contar a verdade ao Marvin antes que ele saiba por outra pessoa. 

-Eu sei. Assim que ele descer, eu vou contar a ele. Minha mãe e minha avó não queriam que eu contasse, mas... se eu não contar, a vó Helena vai acabar fazendo isso, e da pior forma. 

-Ou o Max!

-É. Ou o Max.

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. Luis sugeriu:

-Vamos fazer alguma coisa? Que tal assistir a um filminho?

-Ok!

Os dois se levantaram de repente e ao mesmo tempo, o que fez com que eles se chocassem, dando um beijo inesperado que os fez rir. Mas Melissa sentiu um arrepio estranho ao sentir o contato da boca dele na sua, mesmo que por um breve momento. Pela primeira vez, em todos aqueles anos, ela percebeu o quanto o menininho de cabelos escorridos se transformara em um jovem alto, bonito e atraente. “Meu amigo cresceu,” ela pensou. 

Os dois se dirigiram à sala de cinema, e lado a lado, fingiram estar assistindo a um filme juntos, enquanto cada um pensava no outro de uma forma que nunca tinham pensado antes. Luis sentiu que estava rolando um clima entre os dois. Será que ela estaria sentindo a mesma coisa? 

A casa silenciosa, o perfume dela, o clima romântico e sensual na telinha... tudo convidava a deixar a imaginação rolar. E de repente, ele escorregou a mão para perto da mão dela, causando-lhe um arrepio. Esperou para ver se ela reagiria, mas como ela permaneceu quieta, ele pôs a mão sobre a dela. Apertou um pouco. Melissa olhou para Luis, chegando seu corpo mais para perto do dele. Os dois se viraram de frente um para o outro, e ficaram se olhando. Será que... ela baixou os olhos, mas Luis obrigou-a a olhar para ele, empurrando o queixo dela levemente para cima, na direção do olhar dele. 

É claro, os dois se beijaram. E quando se separaram, ambos concluíram que aquilo estava fadado a acontecer. Tudo pareceu tão certo, tão natural! E eles se beijaram de novo. 





segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO XVIII







-Olá, Max... que bom que você atendeu! 

-Oi, Gabi. 

Ela percebeu uma certa frieza na voz dele... ou seria impressão? Com Luis ao lado dela escutando a conversa, Gabi tentou controlar os nervos e ir direto ao assunto:

- Sabe, Max... hoje eu entrei no seu carro carregando uma bolsinha... acho que eu a esqueci no carro. Você poderia ver se ela está lá? 

Max suspirou de impaciência; achou que o assunto da bolsa seria apenas uma desculpa para que ela ligasse para ele. Não gostava de meninas grudentas. Mas ela insistiu:

-É muito importante! São uns documentos da minha mãe. Coisas da casa. Ela me mata se eu não encontrar. 

Ele concordou:

-Tá bem. Vou lá ver.

Max desceu as escadas e foi verificar o banco de trás do carro. Não achou nada lá. Minutos depois, ele ligou para ela:

-Não achei nada, Gabi. 

-Tem certeza?

-Acho que talvez você possa tê-la deixado em outro lugar. No carro, não está. 

Ele notou a preocupação dela:

-Ai, meu Deus...

-Mas se eu a encontrar, fique tranquila que eu devolvo a você. 

Dizendo aquilo, ele se despediu dela e desligou, voltando a assistir o documentário sobre corridas de carro. 

Naquele momento, todos já sabiam do que tinha acontecido. Gabi, junto com Luis tinha ido até o apartamento de Gertrude onde os outros já os esperavam. Ela pensava no quanto todos não sabiam o que poderiam fazer para que ela se sentisse ainda pior sobre seu ato irresponsável. Helena a acusou de relapsa, e Melissa nada disse, o que a deixou ainda mais ferida. Gertrude e Rafaela insistiam para que ela refizesse o percurso de cabeça, tentando lembrar-se de onde deixara a  pasta. Ela se viu obrigada a confessar seu momento mais íntimo com Max. 

Imediatamente, Rafaela decretou:

-Bem, então vamos até esse recôndito do amor! Com certeza, você deixou a pasta lá!

Dirigiram por mais de uma hora até chegarem ao local. No banco de trás, espremiam-se Gertrude, Helena, Luis e Melissa, e no banco da frente, Gabi indicava o caminho que Rafaela deveria seguir. 

Chegaram lá ao entardecer. Vasculharam todo o local, e não encontraram a pasta, é claro. 
Gabi chorava de frustração, pois seria odiada por Max e também por Marvin, quando ele soubesse do ocorrido. Eles não tiveram outro remédio, a não ser voltarem para suas casas e aguardar o resultado. Gabi começou a pensar que, caso a pasta fosse encontrada por alguém desconhecido, provavelmente esta pessoa iria ler o conteúdo da mesma e descarta-la por falta de interesse. Este pensamento pareceu deixa-la mais tranquila, mas à noite, ela não conseguia dormir.

No outro dia, Gertrude, aflita, telefonou para Rafaela:

-Filha, não sei mais o que fazer... não pude dormir à noite. Se aquela pasta ficou no carro e Max a achou e leu, a vida de Gabi pode estar em risco, pois ele vai pensar que foi ela sozinha que fez aquele dossiê. Pode mostrar ao pai, e ninguém sabe qual será a reação dele. Estou tão aflita!

-Calma, mãe, eles não são assassinos, são apenas corruptos. Eu acho que Max não encontrou a pasta. Se tivesse encontrado, precipitado do jeito que Marvin me disse que ele é, com certeza teria despejado sua raiva sobre Gabi quando ela ligou para ele. Vamos aguardar e ver o que acontece!

Mas eles não precisaram aguardar muito. Porque, nos jornais da manhã seguinte, os rostos de Sunny e Paco estavam estampados. As manchetes falavam do casal VIP que usava uma ONG para lavar dinheiro; faziam insinuações sobre tráfico de drogas e corrupção de menores. O escândalo explodiu dentro da família de Jane como uma bomba atômica. Nas redes sociais, vários memes sobre as festas de nudismo regadas à drogas e erva, e os rostos de Sunny, Paco, Jane e Max compartilhados centenas de milhares de vezes em postagens cheias de ódio e sarcasmo disfarçado de humor.

Do seu canto de observação, o Deputado Tavinho – responsável por todo aquele escândalo – fingia-se de amigo. Tivera o cuidado de editar o dossiê, apagando qualquer pista que pudesse ligar aqueles fatos às contribuições que ele fazia à ONG de Sunny. Dera uma entrevista falando sobre o assunto, alegando total inocência quanto ao que acontecia na ONG. Mais tarde, dissera a Paco (que não acreditou nele) que precisava ter feito aquilo, pois estava tentando desviar os repórteres e a polícia das direções que levavam aos fatos mais graves. 

Ao ver os jornais, Marvin sentiu o coração subir até à boca, e sem hesitar, pegou sua bicicleta e foi até a casa de Jane. Tocou a campainha; O mordomo atendeu, e reconhecendo sua voz, demorou alguns minutos antes de abrir o portão para ele. Marvin entrou no jardim com sua bicicleta, passando pela pequena multidão que se juntava em volta da casa, cobrindo o rosto com o moleton tentando evitar os repórteres e fotógrafos que enxameavam em volta dele, querendo saber quem ele era. Foi Jane quem abriu a porta para ele. Ela usava uma calça jeans surrada e camiseta, e tinha o rosto pálido e sem maquiagem e os cabelos presos em um rabo de cavalo baixo. Parecia muito abalada. Os dois se olharam, e sem nada dizerem, se abraçaram, tirando o jejum de vários dias separados. Jane se deixou levar por ele até o sofá da sala, e depois de chorar durante algum tempo, conseguiu parar de tremer e dizer:

-Muito obrigada por ter vindo, Marvin. Eu... eu estou me sentindo tão sozinha!

Ele acariciou o rosto dela, limpando as lágrimas com a palma da mão:

-Onde estão seus pais?

-Eles acharam melhor ir até a ONG, com medo de que fosse atacada. Há crianças lá dentro.

Na verdade, Jane e Paco estavam a caminho do aeroporto, mas não disseram nada aos filhos. Apenas tomaram um jato particular até uma pequena ilha que ambos possuíam, um paraíso desconhecido a todos, mesmo a amigos e parentes. Era um refúgio adquirido para situações como aquela que estavam enfrentando. Tinham achado melhor deixar os filhos em casa para que não pensassem que os dois estavam fugindo, mas apenas tratando de seus negócios como em um dia normal. Quando a poeira baixasse, estariam de volta, ou caso contrário, seguiriam de avião ou barco para a Bolívia, onde tinham um apartamento. Mais tarde, mandariam buscar os filhos. 

-E onde está seu irmão? 

-Não sei. Max dormiu fora, nem sei se viu os jornais. Tentei ligar para ele, mas ninguém responde. 

Com certeza está na casa de algum amigo, ou com alguma garota.

-Deixou recado?

-Sim, deixei. 

Ela foi até a janela. Não conseguia ver a rua dali, mas ouvia o burburinho dos repórteres. Jane sentia-se muito sozinha e desprotegida. Ao vê-la totalmente desarmada, a ternura que sentia por ela voltou com força total. Marvin disse:

-E se fôssemos lá para casa? Poderíamos sair na minha bicicleta pelo portão dos fundos. 

Jane demorou um pouco a responder. Parecia estar pensando. Disse:

-E seus pais? Sua família? O que eles vão pensar?

Sem hesitar, Marvin respondeu:

-Tenho certeza que está tudo bem, Jane. Eles a receberão lá de braços abertos. Vamos?

Ela pediu um tempo e foi até seu quarto, e pegando a mochila, colocou nela algumas mudas de roupa. Escreveu um bilhete dizendo onde estava, e deixou-o sobre a mesa de cabeceira da mãe. Antes de sair, olhou para o seu quarto, e respirando fundo, secou uma lágrima e fechou a porta atrás dela. 
Eles saíram pelos fundos da mansão. Marvin abriu uma pequena fresta do portão, e ao ver que a rua estava vazia, ambos montaram na bicicleta e se foram. No caminho, Marvin pensava no quanto Paco e Sunny tinham sido cruéis ao deixarem Jane totalmente sozinha em casa. 

Enquanto isso, em sua casa, a família discutia os últimos acontecimentos. Gabi acabara de ligar, dizendo que se lembrava com certeza de que tinha deixado a pasta no banco traseiro do carro de Max. Estavam todos reunidos na sala: Gertrude, Melissa, Rafaela, Cadu, Helena e Teófilo. Nervosas, Rafaela e Gertrude contaram aos outros membros da família sobre o dossiê. Cadu cobriu o rosto com as mãos, num gesto de desespero:

-Vocês estão loucas! E envolver crianças nisso, Gertrude! Quanta irresponsabilidade!

-Tenho que concordar com meu filho – disse Teófilo, que geralmente preferia não se envolver nos conflitos familiares. – Vocês duas agiram muito mal. Quem pensam que são, justiceiras?

Rafaela, furiosa, respondeu:

-Só estava pensando em ajudar o meu filho! Não o queria metido com aquela gente. Precisava saber quem eles são, com quem estamos lidando. Minha mãe apenas fez o que eu pedi, me ajudou. Mas não falamos nada com vocês justamente porque queríamos evitar essas caras acusadoras.

Helena não perdeu a oportunidade de criticar a nora:

-Pois é. Agora vejam só no que vocês se meteram. Imaginem só o que pode acontecer quando essa... essa quadrilha descobrir como isso tudo se tornou público! Imaginem, contratar hackers que navegam na tal de deep web para colher informações sobre essa gente! 

Rafaela bufou de impaciência:

-É, Helena. Mas foi o que fizemos. Não esperávamos que Gabi fosse deixar a pasta justamente no carro de Max. 

Melissa, que até o momento permanecera quieta, falou:

-Eu não sei como ela foi se envolver com ele. Os dois não têm nada a ver um com o outro! Acho que minha amiga enlouqueceu. Nem sei se vou voltar a falar com ela um dia. 

Cadu interferiu:

-Não deve deixar que isso afete a amizade de vocês, filha. Ela cometeu um erro, só isso. Foi irresponsável. Mas afinal de contas, Gabi só tem quinze anos. Mas você, Rafaela, tem 46! Deveria ter tido mais juízo e responsabilidade! E você, Gertrude... nem sei o que dizer...

As duas baixaram as cabeças, mas logo Gertrude saiu em sua defesa:

-Ora, eu só quis ajudar!

-E nos deixou a todos de fora, não pediu a opinião de ninguém, como sempre – disse Helena, a voz cheia de veneno e ressentimento. Na verdade, ela adoraria ter participado de todo o esquema. Teófilo interviu:

-Chega, Helena, não ponha ainda mais lenha na fogueira. 

Melissa levantou-se do sofá e começou a andar de um lado ao outro da sala:

-Imaginem só: alguém vai acabar chegando até Gabi! Quem achou a pasta no carro de Max  vai querer saber quem esteve no carro. Ai, meu Deus! O que pode acontecer? Se eles chagarem até ela... chegarão até nós... e esse tal Deputado Tavinho é um bandido, dizem até que já mandou matar gente...

Rafaela ergueu-se do sofá e  abraçou a filha:

-Não se preocupe, logo isso tudo será abafado e esquecerão o assunto. É assim que funciona nesse país. Logo alguma outra notícia bomba vai aparecer e ninguém falará mais no assunto.

Helena, com a voz cheia de reprovação, provocou:

-Vamos esperar que você esteja certa, Rafaela!

Teófilo cutucou-a com força para que se calasse. Gertrude suspirou profundamente:

-Oh, o que eu fui fazer... e a segurança das crianças está ameaçada...

Cadu respondeu:

-Calma, não vamos nos desesperar! 

-Tudo culpa sua, Rafaela! – vociferou Helena. 

Rafaela começou a gritar com ela, e logo estavam todos gritando. Foi assim que Marvin encontrou sua família quando chegou em casa de mãos dadas com Jane. No exato momento em que os viram parados à porta, todos se calaram e olharam para eles. 

Ao depararem com os dois jovens de mãos dadas, todos se esqueceram do motivo da briga. O rosto pálido e a expressão desamparada de Jane comoveu a todos. Até Melissa sentiu pena dela. Marvin murmurou:

-Mãe, pai, ela pode ficar aqui uns dias? É que ninguém sabe desta casa, e pensei que seria um lugar seguro. 

Cadu perguntou:

-Onde estão os pais dela?

O jovem casal se entreolhou, e pareciam tão desamparados, que até mesmo Helena ficou com lágrimas nos olhos:

-Não sei – disse Marvin. – pensávamos que eles estavam na ONG, mas Jane tentou ligar para eles para avisar aonde estava, e os dois números foram desligados.

Jane baixou os olhos, envergonhada diante do silêncio e dos olhos que pareciam fita-la e despi-la – não no corpo, mas na alma. Como se o gesto tivesse sido combinado, todos estenderam as mãos em direção aos dois. Rafaela caminhou até onde eles estavam, e abraçando a menina, trouxe-a para dentro da casa, acolhendo-a. Jane sentiu-se amada, amparada e muito bem recebida. Sentiu-se segura, realmente segura pela primeira vez na vida. 

(continua...)





quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO XVII









Horas depois, eles voltavam do passeio que tinham feito por uma estrada belíssima e deserta ali perto. A manhã estava linda e ensolarada, e Gabi nunca tinha estado em um carro conversível antes. Eles se deitaram na relva, em um local  junto a um córrego que ficava fora da visão para quem passava na estrada, e então ... aconteceu! Gabi perdeu a virgindade com um garoto totalmente inusitado, que ela nunca esperaria que olharia para ela um dia. E Max foi cuidadoso e carinhoso com ela, como ele nunca tinha sido com nenhuma garota. 

Depois do passeio, ela pediu a Max que a deixasse próximo à casa de Luis. Ele parou o carro junto ao prédio, e beijou-a longamente. Gabi sentiu sua espinha arrepiar-se, e ficou na calçada acenando quando ele deu partida no carro e se afastou.

Ela ficou ainda por um tempo parada na calçada, enquanto uma menina que esperava um ônibus olhava para ela de cima à baixo, provavelmente intrigada com o carrão de seu namorado lindíssimo. Gabi virou-se e começou a caminhar na direção do prédio, entrando no elevador ainda em êxtase. Disse a si mesma que talvez seus amigos estivessem certos: ela não tinha controle da situação, e Max bem poderia ser um canalha comedor. Mas mesmo assim, ela ficou contente de poder, no futuro, lembrar-se da sua primeira vez naquele lugar maravilhoso com aquele cara lindo.
Tocou a campainha de Luis, e foi recebida por Clarisse, a mãe dele, que já a conhecia há muito tempo. As duas trocaram beijinhos e Gabi foi logo para o quarto de Luis, que esperava por ela.

-Onde você andou? Disse que vinha de manhã e me aparece aqui ás duas da tarde! 

Ela jogou-se na poltrona dele, tirando os sapatos e esticando os pés sobre a beirada da cama:

-Estava por aí...

-Viu passarinho verde? Que bicho te mordeu, criatura?

-Ela olhou para ele longamente, antes de responder. Achou melhor deixar para outra hora o que tinha a dizer. Afinal, estava ali por um outro motivo; mas qual seria mesmo? Luis trouxe-a de volta à realidade:

-Então, cadê? 

-Cadê o que?

E de repente, ela caiu em si: deixara a pasta no carro de Max! Gabi perdeu a fala momentaneamente, o que deixou Luis aflito:

-Gabi, você está bem?

Ele foi à cozinha e trouxe um copo d’água, entregando-o a ela, que o recusou com um aceno de mão. Gabi se levantou da poltrona e começou a andar de um lado a outro do quarto, a mão na testa:

-Meu Deus, o que fui fazer?

Luis percebeu:

-Gabi... cadê a pasta?

Enquanto isso, Max chegou em casa, parando o carro junto à porta de entrada. Logo, o motorista chegou para estacionar o caro na garagem da família. Ao virar-se para trás a fim de dar ré, ele notou a bolsa de papelão caída no chão do carro, e terminando seu serviço, levou-a até a casa. Como não encontrou ninguém à vista, ele a carregou até o escritório de Paco, onde Tavinho o aguardava para uma reunião. 

-Com licença, senhor Tavinho. Só vim deixar esta bolsa aqui.

Dizendo isso, o motorista fechou a porta silenciosamente. Tavinho olhou para a bolsa de papelão sobre a cadeira; havia desenhos de pequenas rosinhas. Ele achou estranho aquela bolsa ali, totalmente fora de contexto, pois Jane e Sunny eram sofisticadas demais para ela, e Paco jamais usaria alguma coisa como aquela – nem mesmo para jogar o lixo fora, se um dia ele fizesse isso. 

A curiosidade o fez caminhar até ela e olhar para dentro; avistou uma pasta com capa preta de papelão. Ele virou a cabeça para tentar ver o que estava escrito na capa, mas não conseguiu, então puxou-a um pouco para fora da bolsa: “Dossiê da família X”. 

Quem seria a tal família X? será que aqueles papéis teriam alguma coisa a ver com a tal ‘pesquisa’ que andavam fazendo sobre eles na internet?

Finalmente, ele pegou a bolsa movido por um impulso e saiu da casa, sem ser visto por ninguém. Mais tarde, diria que tinha sido chamado para algo importante e que tivera que ir para Brasília imediatamente. 



(continua...)





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO XVI








Max e Gabi saíram juntos. Ele se surpreendeu com a conversa dela: diferente das garotas que ele conhecia, Gabi era brilhante, tinha uma inteligência sagaz e fazia observações que ele talvez pudesse ler em algum romance de escritor famoso. Ele nunca tivera tanto prazer em conversar com alguém antes. De repente, ele se viu pensando em conversar mais com ela, ao invés de simplesmente transar – embora a possibilidade o agradasse. 

No final da noite, eles estavam rindo e marcando novo encontro. E ele a beijou. Não tentou transar com ela ainda. Achou que ainda poderia vê-la de novo antes de tentar, pois ela era uma garota legal, e ele não queria descarta-la tão rapidamente. 

Gabi se surpreendeu com Max: ele não era tão cretino quanto ela pensara! Mas ela sempre se lembrava dos conselhos da falecida avó: “Cuidado com homens bonitos demais! São um pedaço de mal caminho.” Riu ao pensar no quão antiquado aquele pensamento soaria nos dias de hoje. 
Mas ela sentia que precisava contar a Marvin o que estava acontecendo. E passou uma mensagem para ele:

“Marvin, tenho que te contar uma coisa. Quero que saiba por mim antes de saber por outra pessoa.”

“De novo??? Você está se mostrando uma mulher de muitas revelações!”

“Eu estou saindo com o Max.”

Silêncio do outro lado da linha. Ela mandou um ponto de interrogação após alguns segundos. Ele respondeu:

“Não poderia ter escolhido pior. Esse cara é um comedor sacana, não respeita garota nenhuma.”

“Posso julgar por mim mesma.”

“Como se conheceram?”

Ela pensou antes de responder, e achou melhor não dizer a verdade – que tinham se conhecido quando ela foi falar com Jane a respeito dele, e acabou dizendo algumas verdades sobre a própria Jane. 

“Por acaso, em um barzinho.”

“Esse cara é um babaca!”

“Eu sei, mas eu sou esperta. Estou só vendo como é.”

“E vai ver com a cara no chão.”

Ela hesitou, diante da grosseria dele. Encerrou a troca de mensagens com um dedo médio em riste. Não gostava que lhe tratassem como se fosse criança. Marvin jogou o telefone sobre a cama, e saiu, batendo a porta. No corredor, passou por Melissa, e despejou:

-Sabia que a Gabi está saindo com o babaca do “Max Sol?”

Melissa deixou o queixo cair:

-Como assim?! Ela não me falou nada! Desde quando?

-Não sei. Saíram ontem e marcaram para sair de novo.

-Mas ele vai fazer pedacinhos do coração dela!

Melissa pensou no quanto Gabi podia ser doce e romântica, e no que um cara como Max faria com ela. 

-Fale com ela. Ela me deu o maior fora agorinha, e eu não sei o que fazer. Vou dar uma volta de bike para relaxar. Tchau!

E ele se foi, deixando uma Melissa atônita parada no corredor. 

Melissa imediatamente pegou o telefone; quando Gabi atendeu, ela logo disparou:

-O que você tem na cabeça? Geleca?

-Ah, você já sabe... não. Estou apenas me divertindo. Se não posso ter quem eu quero, me divirto com o cara errado enquanto procuro o cara certo.

-Gabi, você viu o que a irmã dele fez com o meu irmão. A escolha é sua.

-Eu sei, obrigada por me lembrar, amiga, mas eu estou bem. 

-Ele vai fazer picadinho do seu coração. Temo por você.

-Melhor temer por ele. Eu sou dura na queda. E não estou apaixonada, estou só... curiosa.

E as duas continuaram a conversa, com Gabi contando tudo sobre sua saída com Max. 
Em cima da bike, Marvin se viu pedalando em direção à casa de Jane. Parecia que a bicicleta conhecia o percurso de cor, e que seguia independente dele. Parou a alguns metros do portão, e observou o muro alto que isolava a casa. Deveria tocar a campainha?
Mandou uma mensagem:

“Estou aqui na porta.”

Esperou ansiosamente, mas passaram-se quase dez minutos e ela não respondeu, apesar de ter visualizado a mensagem. Ele enxugou o rosto molhado de lágrimas e continuou pedalando sua bike para longe dali. Sentiu que tinha cometido um erro, mas disse a si mesmo que não voltaria a cometê-lo de novo.

 Jane recebera a mensagem, e sentira o coração dar saltos no peito. Porém, pensou em tudo o que Gabi lhe dissera. Decidiu que seria melhor não abrir o portão. 

De repente, ela largou o telefone e saiu, descendo as escadas descalça e indo ao jardim, que atravessou correndo. Abriu o portão a tempo de ver a bicicleta de Marvin fazendo a curva, ao longe. Ela se encostou no muro, deixando que as lágrimas rolassem livremente. “É melhor assim”, pensou. 


Em seu apartamento, Gertrude agarrou a pasta com o dossiê sobre a família de Jane e saiu. Ia devolvê-lo a Luis, e pedir que sumisse com ele. Já que seu neto não tinha mais nada a ver com aquela família, não via necessidade em usá-lo. Queria destruí-lo ela mesma, mas passaria horas picando papel, pois não seria seguro queimar tudo em um apartamento ou jogar em uma lixeira qualquer. Luis dissera-lhe que tinha um triturador de papel em casa, e ela achou melhor levar o documento para que ele o destruísse. Colocou-o em uma bolsa de papelão, pois não cabia em sua bolsa à tiracolo. 
Antes, ela decidiu dar uma passadinha na casa da filha para ver como as coisas estavam indo. Não havia ninguém em casa, mas ela entrou com sua chave e deixou a bolsa de papelão no canto do sofá, junto à parede. Helena chegou com Teófilo, e todos foram para a cozinha conversar enquanto preparavam um bolo de chocolate e café. À noitinha, Rafaela e Cadu chegaram do trabalho, seguidos por Melissa e um Marvin triste e taciturno. Todos se juntaram na copa para lanchar, devorando o bolo que Helena e Gertrude haviam preparado. 

Gertrude acabou se esquecendo do que saíra para fazer, e entregou-se às conversas enquanto as horas passavam. Depois, toda a família foi assistir a um filme juntos, no cinema próximo – inclusive Marvin, que não fazia aquilo há algum tempo. Rafaela sentiu-se feliz no escuro do cinema, tendo novamente a família ao seu lado. 

A bolsa ficou esquecida no canto do sofá. 

E quando Gertrude finalmente se lembrou dela, já passava das onze da noite, e ela estava em sua cama, pronta para dormir. Ela sentou-se na cama, dando-se conta da irresponsabilidade do seu ato. Imediatamente, telefonou à filha, mas ela provavelmente já tinha ido dormir, pois o telefone tocou muitas vezes e não foi atendido. Ela se lembrou que Rafaela desligava o celular durante a noite. Pensou em ligar para Melissa, mas achou que seria melhor esperar até de manhã, temendo que Marvin estivesse por perto e desconfiasse de alguma coisa. Tentou ligar para Luis, mas ele também não atendeu.

Gertrude estava preocupadíssima com o destino daquela pasta! Se ela caísse nas mãos do neto, ele com certeza ficaria furioso com eles todos, e isso poderia desencadear uma nova crise emocional. Se caísse nas mãos de Cadu, ele ficaria muito magoado e zangado por não ter sido informado sobre o que eles estavam planejando. Se falasse com Teófilo ou Helena, eles a chamariam de irresponsável e lhe passariam um sermão; não poderia dar a eles tal gostinho!

De repente, ela lembrou-se de Gabi. Passou uma mensagem para ela, dizendo onde a pasta estava, e pedindo segredo sobre o fato de ela tê-la esquecido ali. Gani riu ao ler a mensagem, e prometeu que a primeira coisa que faria na manhã seguinte, seria ir até lá e resgatar a pasta, destruindo seu conteúdo.
E assim o fez, logo de manhã. 

Ela esperava um ônibus para ir até a casa de Luis, onde entregaria a ele a pasta, mas enquanto estava no ponto do ônibus, Max passou em seu carro conversível, e vendo-a lá, ofereceu-lhe uma carona. 
Gabi ficou mortificada – afinal, tinha nas mãos documentos que poderiam acabar com a vida de seus pais e com a boa vida que o próprio Max e a irmã desfrutavam – mas aceitou a carona. Entrou no carro, agarrada à pasta, mas ele tirou-a dela e jogou-a no banco traseiro junto com a bolsinha que ela carregava.

-Para onde está indo, Gabi?

Ela hesitou:

-Na verdade... agora que encontrei você, eu não sei... acho que... 

Ele logo percebeu que a menina estava um tanto nervosa. 

-Tudo bem com você?

Ela mentiu:

-Sim, tudo! 

-Então... vamos dar uma volta! Depois eu te deixo aonde você estava indo.

Ela olhou para ele, que a encarava com um sorriso tentador, e concordou. Não faria mal dar uma voltinha naquele carrão ao lado daquele gato:

-Está bem. Vamos!

(continua...)





segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO XV







- O que a traz aqui, Gabi?

Jane sentou-se no sofá em frente a ela. Seu perfume invadiu o espaço. Gabi reparou nas unhas bem feitas, esmaltadas em branco leitoso, e na cor levemente bronzeada e dourada de sua pele perfeita. Os cabelos louros tinham sido presos em um coque que se desfazia em volta do rosto, destacando os olhos de um azul cristalino. Gabi sentiu-se ridícula em suas calças jeans stretch e camisa de malha branca e sem detalhes. 

-Vim por causa de Marvin. Eu poderia ter mandado um e-mail, mas precisava olhar para você.

Ela sentiu que as feições de Jane se dissolveram, e a máscara dela caiu. Gabi continuou:

-Quero saber se ainda estão juntos, ou se existe esta possibilidade.

Jane foi ríspida:

-Não. Pode ficar com ele, o caminho está totalmente livre pra você.

-Se ele me quisesse... mas ele quer você. Ele a ama. E ele está sofrendo.

Jane riu, olhando para o teto durante alguns instantes:

-E você, que é uma boa samaritana, veio aqui entregar o Marvin de bandeja para mim?

Gabi ficou furiosa, mas com a voz controlada e firme, disse:

-Na verdade, eu acho que você não o merece. É uma garota fútil, vazia, aproveitadora e egoísta. O Marvin merece coisa bem melhor, e nem estou falando de mim. Mas ele está sofrendo, e no mundo onde vivo, amigos ajudam amigos. Sei que é difícil para você compreender isso; afinal, não tem nenhum amigo verdadeiro, a não ser os que se juntam em volta de você feito moscas querendo, quem sabe, uma transa fácil ou desfrutar do seu dinheiro. Mas eu estou preocupada com o meu amigo. E vim aqui por ele.

Jane sentiu-se profundamente abalada pelo que Gabi lhe dissera, mas conseguiu recuperar sua máscara de frieza e responder:

-Para pedir que eu volte com ele? Foi ele que pediu que você viesse?

-Vejo que não o conhece mesmo! Ele nem suspeita que eu estou aqui. Só vim para saber se ainda existe – se é que alguma vez existiu – um resto de sentimento da sua parte por ele. Marvin jamais imploraria nada a você - (naquilo, ela mentiu) – pois ele tem dignidade. É... acho que ele precisa de alguma coisa que você não tem para dar, Jane.

Jane ergueu as sobrancelhas;

-E o que seria?

-Calor humano. Amor. Porque você nem humana é. Não passa de uma aberração. Uma criatura hermafrodita, como naquele filme de ficção científica, que se aproximava das pessoas para devorá-las, lembra? Você seus amigos esquisitos não têm nada a ver como Marvin. Dão suas festas esquisitas de nudismo tentando provar ao mundo que não têm preconceitos, mas massacram quem é diferente de vocês. Alimentam-se das almas dos outros, pessoas normais que cruzam seus caminhos, e que vocês chamam de preconceituosas. Desnudam seus corpos em frente ao espelho porque não suportariam desnudar as suas almas podres. Transam com todo mundo, mas não se entregam a ninguém. Se drogam para não perceberem o quanto são vazios, o quanto suas vidas são vazias e sem sentido. Falam em ajudar os necessitados enquanto criam empresas de fachada para lavar dinheiro sujo de drogas que traficam. Criam a imagem de caridosos e bonzinhos, envolvidos em causas justas pelo proletário, a fim de conseguirem votos para o bonequinho de vocês, o Deputado Tavinho, que os ajuda a limpar sua sujeira. Enfim, vocês são patéticos!

Jane sentiu-se muito magoada ao ouvir aquelas palavras, mas Gabi nem teve tempo de ver seus olhos encherem-se de lágrimas, pois levantou-se e saiu da casa sem olhar para ela. No caminho, as pernas dela tremiam; teria exagerado? Pelo menos, dissera tudo que estava entalado em sua garganta.
Depois que Gabi se foi, Jane permaneceu sentada no sofá, chorando copiosamente durante muito tempo. As lágrimas caíam aos borbotões, e os soluços sacudiam seu corpo inteiro. E na casa vazia, ninguém apareceu para consolá-la – embora os criados estivessem escutando atrás das portas – e ela sentiu-se muito só. 

Ficou recapitulando as palavras de Gabi durante muito tempo, e pensando no quanto ela estava certa: Marvin merecia coisa bem melhor. Finalmente, alguém tivera a coragem de dizer o que ela precisava ouvir a respeito dela mesma e de sua família. Não poderia odiar Gabi por isso. Ela apenas dissera a verdade, uma verdade que era óbvia para todos que os cercavam, mas que não era pronunciada porque ninguém queria perder as vantagens que desfrutavam sendo seus amigos e orbitando em volta deles. 

Sim, ela era patética. Sua família era patética. Durante todo o tempo, ela alimentara a ilusão de que estava ensinando Marvin a ser uma pessoa real, melhor, mais verdadeira e livre, enquanto tentava trazê-lo para dentro do seu mundo surreal e podre, onde ninguém era de verdade. Duvidou até da amizade de Juninho; afinal, ela estava pagando para que ele fosse com ela para Paris. Se ela não tivesse dinheiro, será que teria a amizade dele?  

Naquele momento, ela tomou uma decisão que modificaria toda a sua vida.


Enquanto isso, Rafaela e Cadu tentavam consolar o filho. A família estava sentada na sala após o almoço. Rafaela disse:

-Marvin, eu sei que pode parecer que o mundo acabou, mas Jane é seu primeiro amor. Ainda virão muitos, e quando isso acontecer, ela será só uma lembrança para você. seus sentimentos são muito intensos, e isso é normal na sua idade, mas você pode viver sem ela. Acredite em nós. 

Marvin segurava as mãos de seus pais, buscando a força que precisava. Compreendeu que eles sempre estiveram ao seu lado. Eram sua família, sua fortaleza. Nada valia mais do que aquela relação, que o encorajava a prosseguir sempre, mesmo diante das maiores dificuldades. Ainda sentia muito a falta de Jane – e iria sentir por um bom tempo – mas já acreditava que um dia poderia esquecê-la. Cadu disse:

-Meu filho, nós estaremos sempre aqui para você. Por favor, conte com a gente. Sei que nós nos desentendemos de vez em quando, mas olha... você e Melissa são a nossa vida. Faremos tudo por vocês.

E Marvin sabia que era verdade.

Na festa de natal, Marvin tentou se divertir, mas checava as mensagens a todo momento. Tinha mandado uma mensagem de natal para Jane, mas ela não respondeu. Ficou muito triste, mas pensou que, se ela não tinha respondido, talvez fosse porque já o tinha deixado para trás. 
Porém, o telefone de Gabi piscou na noite de natal; ela estava na cama, preparada para dormir após cear com sua família, quando a mensagem entrou; era Max. Ele a convidava para sair no dia 26. Uma lanchonete de comida australiana tinha sido inaugurada na cidade. Ela recusou o convite, mas ele respondeu com um emoticon triste: uma carinha chorando. Ela riu. Ele mandou nova mensagem, insistindo, de uma maneira muito amigável e sedutora. Ela aceitou; afinal, por que não? O que tinha  a perder? Ia sair com um cara lindo, ir a uma lanchonete cara. Se transassem, que mal haveria? Não pensava em se casar com ele. 


(continua...)








A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...