terça-feira, 20 de março de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO FINAL







Dias mais tarde, Gabi estava caminhando na rua quando Max parou o carro junto a ela. Gabi estava zangada com a maneira que Max a vinha ignorando, desde a última vez que saíram juntos. Ela tentou fingir que não o viu, mas ele buzinou:

-E aí, Gabi? O que é que você manda?

Ela olhou para ele de lado, sem parar de caminhar:

-Oi, Max. Estou com pressa.

Ele saiu do carro e deu a volta, chegando até ela, segurando-a para que ela o olhasse:

-Hey, tá zangada comigo?

-Você sumiu, Max. Acha mesmo que eu estou disponível para você quando você estiver a fim de transar?

Ele ergueu as mãos:

-Ok, você está certa: fui um cachorro. 

-E continua sendo. Me deixa em paz!

-Calma, gata. Eu... preciso te dizer uma coisa. É sobre a minha irmã.

Ela riu alto, em tom de sarcasmo:

-Ah, já que é sobre ela, eu estou “interessadíssima” em escutar!

-Peraí, Gabi! Calma... vamos tomar um refri. Entra aí no carro. Eu juro que é coisa séria. Soube que o Marvin está internado de novo, e achei importante que vocês saibam o que aconteceu com a Jane antes que ele descubra sozinho, só isso.

Ela parou, olhando para o rosto dele, tentando determinar o que faria. Respirou fundo, e sem nada dizer, entrou no carro. Ele entrou depois dela, batendo a porta. Ia dar partida, quando ela o segurou:

-Me diga logo, o que tem a Jane?

-Ela... casou. Com o Tavinho.

-O que??? A Jane se casou com o Deputado Tavinho? Ela dizia pra gente que detestava ele!

-É. Só que não. 

-E... eles... onde estão?

-Isso eu estou proibido de dizer, porque eles estão com meus pais, mas estão beeem longe do Brasil. Casaram hoje. Bem, o Tavinho é uma pessoa pública, e logo a imprensa do Brasil vai começar a divulgar a notícia. 

-Mas... esse cara é velho! A Jane é uma menina!

-É, nem tão velho, mas ela foi “emancipada,” digamos... o Tavinho conseguiu uma certidão de nascimento nova para ela, que diz que ela tem 21. Mesmo depois que meu pai autorizou o casamento, ele achou melhor, para evitar escândalos. Estão em lua de mel na Itál... quero dizer, na Europa, e depois vão morar em Brasília. 

Gabi ficou pensativa durante algum tempo, tentando descobrir uma maneira de contar à família de Marvin. Pensou que, apesar de tudo, Max tinha sido um cara legal em avisar. Odiou Jane com todas as suas forças. Olhou para o lado, e deparou com o rosto ansioso de Max, fitando-a. Ela se virou de lado, tentando abrir a porta do carro para sair, mas ele a segurou:

-Gabi, espera! Por favor. Eu juro que tentei não pensar em você. Juro que saí por aí e comi uma porção de meninas, mas olha, o fato é que eu... não gostei de nenhuma. Desde que a gente ficou junto naquele dia. Eu não consigo esquecer. Eu acho que me apaixonei por você. Acho não; tenho certeza. Por isso eu não quis ir embora quando meus pais mandaram me buscar.

Gabi sentiu o coração dar um salto. Aquele rapaz lindo, habitante de algum conto de fadas onde ele era o sedutor príncipe do mal, estava de quatro por ela. E confessou tudo na sua carruagem de ouro importada. Era tentador demais. 

Mas Gabi não era estúpida. Olhando-o nos olhos, ela disse:

-Escuta, Max, foi bom enquanto durou – se bem que eu não entendi até agora esse lance entre a gente. Somos tão diferentes um do outro, sabe... nem sei se você está falando a verdade dessa vez.

-Perái, Gabi! Eu não menti pra você. Nunca menti. Nunca te disse que estava apaixonadão, querendo casar, e nem estou dizendo isso agora. Quero dizer... eu estou apaixonadão agora, mas não quero casar ainda, mas estou disposto a investir, levar a sério pela primeira vez na minha vida. Quero ver até aonde esse lance vai nos levar. Me dê uma chance!

Gabi respirou fundo. Gostava de Max, mas de repente compreendeu que jamais poderiam ficar juntos – não por causa das diferenças de classe social, mas pelas diferenças de caráter. Ela jamais conseguiria viver dentro da família dele, ou ter os mesmos amigos que ele. Não concordava com o que seus pais faziam, nem com a maneira de viver de Max – aos dezenove anos, não trabalhava e vivia do dinheiro dos pais. Dinheiro sujo, vindo de propinas e negociatas, e sabe-se-lá-do-que-mais. Ela queria ter uma vida diferente da dele, queria estudar, trabalhar, subir na vida pelos seus méritos. Não tinha nascido para ser dondoca ou patricinha. 

-Olha Max... não vai dar. Agora me deixa sair, tá?

Dizendo aquilo, ela abriu a porta do carro e saiu correndo, entrando em uma loja de departamentos ao virar a esquina. Através da vitrine, ela viu quando ele passou correndo na calçada, procurando por ela, e ficou feliz por ter entrado na loja.

Dias mais tarde, Marvin obteve permissão para sair da clínica. Continuou o tratamento com Dr.  Figueiredo, que chegou à conclusão de que ele estava sofrendo de depressão, mas que era seguro deixa-lo em casa. As férias estavam apenas no começo – ainda era o mês de janeiro – e Rafaela e Cadu sugeriram que ele fosse viajar com Melissa e os amigos, para uma casa de praia. Gabi jamais contou a ele a verdade sobre o casamento de Jane. Ela tinha certeza de que, agora que saíra da clínica, ele acabaria descobrindo, e então ela contou tudo a Melissa, deixando que ela cuidasse do assunto. 
E foi na casa de praia, enquanto Max estava sentado em uma espreguiçadeira olhando o mar, enquanto Luis e Gabi tinham saído para uma caminhada, que Melissa sentou-se ao lado dele na areia 
e começou a contar-lhe.

O dia estava cinzento e ventava muito. Era um verão atípico, pois chovera na maioria dos dias, e a temperatura não ultrapassara os vinte e dois graus. Gabi sentiu um vento mais frio, e puxou a saída de praia em volta do corpo, envolvendo-se com ela. Tomou um gole de refrigerante para criar coragem, e disse:

-Como você está, irmão?

Marvin deu um sorriso triste:

-Me recuperando. Acho que no fundo eu sabia que aquilo ia acontecer. Eu sabia que Jane não era minha. Mas gostaria de saber como ela está, o que anda fazendo. Será que foi para Paris com o Juninho?

Melissa balançou a cabeça, discordando:

-Não, ela não foi para Paris, Marvin.  

-Você está sabendo de alguma coisa?

Melissa concordou com a cabeça:

-Gabi encontrou com Max por acaso, e ele contou a ela. Não vai ser nada fácil escutar isso, irmão... mas a Jane ... ela se casou.

Marvin sentiu o coração perder algumas batidas, e de repente, o chão debaixo da cadeira parecia feito de areia movediça. Ele não podia acreditar! Como ela poderia ter se casado em menos de um mês? Em apenas algumas semanas? Melissa notou a má reação dele, e aproximou-se, perguntando se ele estava bem. Marvin ignorou sua pergunta:

-Como assim? Com quem?

E de repente, ele compreendeu tudo.

-Foi com o deputado Tavinho, não foi?

Ela concordou com a cabeça.

-E... e.. para onde eles foram?

-A Gabi falou que o Max não queria dizer, mas acabou deixando escapar, sem querer, de que eles estão em algum lugar na Itália, um lugar remoto. Marvin, tem coisas nessa história que você ainda não sabe. Vou te contar tudo.

E ela contou a ele sobre o dossiê encomendado por Gertrude, e sobre a maneira como ela, Gabi e Luis o produziram, e também do desaparecimento dos documentos. Contou também que tinha sido por causa dos documentos (que alguém encontrara e tornara público) que a família de Jane deixara o país. Marvin imediatamente entendeu tudo: Com certeza, os documentos tinham sido encontrados por Tavinho, que chantageou Sunny e Paco a fim de casar-se com Jane. Provavelmente, Jane casara-se com Tavinho para salvar os pais!

Marvin permaneceu calado durante alguns minutos, e finalmente, caiu em uma gargalhada, que logo foi se transformando em um choro compulsivo. Gabi e Luis voltavam da caminhada naquele momento, e olhando para Melissa, obtiveram a confirmação de que ela tinha contado tudo a Marvin. 

Os três juntaram-se em volta de Marvin, em um abraço coletivo.

Na segunda-feira, após voltarem da viagem à praia, Marvin procurou Max. Ele não disse a ninguém sobre suas intenções, apenas anunciou que ia dar uma volta de bicicleta.  Parou em frente a mansão, observando-a por um longo tempo. Lembrou-se das festas que frequentara ali naqueles poucos meses em que ficara com Jane, em como tinha sido bem recebido pelos pais dela. Lamentou o fato de que os dois fossem criminosos, mas aquilo não afetara a maneira como se sentia a respeito de Jane. Ele precisava salvá-la. O que estava acontecendo a ela era inconcebível, e ele precisava fazer alguma coisa. Marvin respirou fundo, e tocou a campainha. Como era conhecido pelos empregados da casa, foi rapidamente conduzido à sala de estar, onde esperou por Max.

Enquanto esperava, ele olhou em volta; havia uma foto de Jane sobre uma mesa de canto. Havia outras fotos, da família reunida, sorrindo. Ele sentiu saudades, muitas saudades, e teve que ser duro para não começar a chorar. E foi assim que Max o encontrou: olhando para a foto de Jane. Max sentiu um pouco de pena de Marvin. não estava muito acostumado a ter sentimentos de empatia, mas ultimamente, ele se pegava envolvido por eles mais vezes do que desejaria. Respirou fundo, e terminou de descer as escadas, caminhando na direção de Marvin com a mão estendida:

-E aí, cara?

-Fala, Max. 

-Senta aí. Quer tomar alguma coisa?

-Não. Eu vim aqui para saber de Jane. Aonde ela está?

Max desviou os olhos:

-Infelizmente não vou poder dizer, ou estarei colocando a família toda em risco, cara...

Marvin estava acostumado a lidar com o cinismo de Max, e continuou:

-Como se você se importasse com a família, não é, Max? Na verdade, o que importa pra você é que a grana continue entrando. Jane não significa nada, não é?

Max olhou-o sério:

-Ela é minha irmã, e mesmo que você não acredite nisso, eu gosto dela. E gosto dos meus pais também. 

-Então você precisa me dizer onde ela está.

-Já disse que não dá, cara... eles estão sendo procurados! Já basta essa porra de dossiê que sua avó e seus amigos fizeram, e que acabaram com a nossa vida! Acha mesmo que eu vou te entregar a minha família? Esquece. No way!

Max se levantou, caminhando até a janela. Depois de olhar para fora durante algum tempo, ele serviu-se de um pouco de uísque, oferecendo a Marvin, que recusou com a cabeça. 

Marvin insistiu:

-Então me dê o novo número dela. Ficarei contente em conversar com ela por telefone. Olha, Max, se você se importa com ela, vai ficar quieto, sabendo que ela se casou com esse deputado pedófilo para salvar seus pais? 

Max ponderou antes de responder, e finalmente, disse:

-Em uma coisa você está certo: meus pais sofreram chantagem de Tavinho para emancipar Jane e concordar com o casamento; mas Jane não casou à força. Ela nem sabe dessa chantagem. Ela casou porque quis, e ela mesma me disse isso antes de ir embora. Olha, eu sempre soube o que rolava entre ela e o Tavinho, e isso é coisa antiga. Mas Jane nunca quis denunciá-lo, nem mesmo quando eu ofereci ajuda. Ela me proibiu de contar aos meus pais...  embora eu ache que eles desconfiassem. Mas esquece a minha irmã, ela não está a fim de você. Ela ama o Tavinho... - ou sei lá que nome se dá para essa coisa entre eles. 

-Eu quero ouvir isso dela.

-Mas...

-Eu preciso ouvir isso dela para continuar com a minha vida, Max.

Max pensou por uns instantes, e coçando a cabeça, ergueu os braços e soltou-os, numa atitude de rendição:

-Tá bom, tá bom. 

E passou o número do telefone de Jane a Marvin, que começou a discar o número na mesma hora.

Max acenou para ele em despedida, saindo porta afora:

-Quando terminar, fique à vontade por aí... eu tô indo. 

O telefone tocou várias vezes, até a ligação cair. Marvin insistiu ainda duas vezes. Na terceira vez, Jane atendeu. Ela não disse nada, apenas ficou escutando na linha, até que Marvin falou:

-Jane... Jane, meu amor... por que você fez isso, por que?

Ela não respondeu.

-Jane, eu preciso te ver! Eu quero te ajudar! Eu vou salvar você desse cara, a gente pode... a gente pode ficar juntos de novo, eu juro que não me importa nada do que aconteceu!

O silêncio do outro lado da linha já estava deixando Marvin angustiado, até que uma voz fria e cortante o interrompeu:

-Como você conseguiu meu número?

Marvin engoliu em seco:

-Seu irmão me deu. Eu queria...

-Mas que droga! Marvin, escute bem uma coisa: acabou! Eu não quero ter mais nada com você, entendeu? Vê se desgruda, larga do meu pé! 

-Mas Jane, eu sei que você foi forçada a se casar! Sei que só está tentando proteger seus pais!

_ Marvin... do que você está falando? Enlouqueceu? Meus pais já são bem grandinhos, não precisam que eu os proteja. Estão muito bem, longe daqui, e longe dessa vidinha burguesa que vocês levam aí. Eu nunca te prometi nada, nunca disse que seria uma namoradinha fiel. Eu nem disse que te amava! E eu não amo! Apenas aconteceu, foi um lance, foi legal, mas acabou! 

Marvin sentiu as lágrimas ferventes descendo pelo rosto. Ela continuou:

-Agora vê se me esquece, e apaga meu número! O Tavinho não vai gostar nada se souber que você está me atazanando. 

Naquele momento, Marvin escutou a voz de Tavinho:

-Aí, Romeu, como vai? Como você já sabe, Jane agora é minha esposa. A gente se casou. Escuta, moleque, já tive paciência demais com você, e com sua intromissão nos meus interesses. Não quero ter que tomar medidas drásticas contra aquela sua avó intrometida! Portanto, deixa a gente em paz!

E depois, um ‘click’ foi ouvido, e então, o silêncio. Marvin ficou confuso pelo tom de voz brusco e quase cruel com o qual ela lhe falara. Não descobriu ali a feminilidade e delicadeza que o atraíra. 

Tavinho olhou para Jane, e abraçou-a, dizendo:

-Acho que agora ele vai entender, amor.

A Jane para quem ele olhava estava muito diferente da Jane que Marvin conhecera: os cabelos longos e ondulados tinham sido repicados bem curtos e tingidos de castanho, dando a ela um ar andrógino; as roupas femininas e vestidos esvoaçantes tinham sido substituídos por calças jeans e camisetas simples de malha, em estilo masculino. Ela calçava tênis, e tinha um piercing no nariz. Jane estava passando por uma nova transformação. Talvez ela estivesse finalmente encontrando a si mesma. E Tavinho descobrira que sempre amara aquele lado dela, sem desconfiar que aquela mudança acabaria levando-a por outros caminhos no futuro, caminhos que passavam longe dos que ele desejava caminhar com ela. 

Marvin sentou-se no sofá, sem forças para andar. Ficou ali durante horas, até que começou a escurecer. Quando Max voltou para casa, assustou-se ao vê-lo sentado no escuro, olhando para o nada, e ligou para Melissa, pedindo que alguém fosse busca-lo. 

Rafaela ajudou-o a ir para a cama, cobrindo-o, como se ele fosse o seu garotinho de novo. Ela chorou amargamente ao ver o filho naquele estado. Depois que ele finalmente conseguiu dormir, ela desceu as escadas devagar, e foi conversar com Cadu, que a esperava no sofá com uma xícara de café quente:

-E então? Ele dormiu?

Ela pegou a xícara, tomando um gole antes de responder:

-Sim, dei um comprimido a ele. Ah, Cadu... será que Marvin vai ser sempre assim, tão vulnerável? 

-Ele é um menino sensível, sempre foi. Precisamos tomar muito cuidado com ele agora. 

Mas na manhã seguinte, a pessoa que se levantou da cama era alguém totalmente diferente da que tinha se deitado na noite anterior. Marvin chegou para o café da manhã distribuindo ‘bons dias’ entusiasmados, beijando os avós que estavam à mesa e falando pelos cotovelos. As pessoas se entreolhavam, estranhando aquele entusiasmo repentino, sem saber se deveriam alegrar-se ou não. Mas acabaram se convencendo – talvez porque precisassem daquilo – que Marvin tinha superado tudo e que estava pronto para recomeçar sua vida. 

Mas às vezes, levamos apenas a vida que somos capazes de levar. 

Marvin saiu de casa dizendo que ia encontrar Luis. Montou na sua bike e os pais o viram afastar-se de casa, feliz de novo, e deram um suspiro de alívio.


Porém, não sabiam sobre as intenções do rapaz. Marvin pedalou até a casa de Jane, onde os empregados o deixaram entrar. A casa estava vazia. Ele andou pelos corredores tão familiares, e logo encontrou o antigo quarto de Jane. Deparar com a cama dela vazia, arrumada como se nunca mais alguém fosse ocupa-la, fez com que algo dentro dele morresse. Ele entrou, trancando a porta e jogando-se de bruços na cama. Jamais imaginara que alguém pudesse gostar tanto de outra pessoa, ainda mais uma pessoa que demonstrou não sentir o mesmo por ele. 

Marvin sabia onde Jane guardava comprimidos para dormir. Desde sempre, segundo ela, ela os usava, pois sofria de insônia. Sua esperança é que ela os tivesse deixado ali. abriu a mesinha de cabeceira, e seu coração bateu mais forte ao deparar com a caixinha prateada onde ela os guardava. Tudo naquele quarto era tão feminino e suave! Em nada correspondiam à voz brusca e rude que falara com ele ao telefone.

Marvin deixou que uma lágrima rolasse antes de pegar um copo d’água no banheiro e sentar-se com ele na cama, segurando-o, como a decidir se deveria ou não fazer aquilo. Ouvia as vozes dos pais e dos avós: “Marvin, vocês passaram apenas alguns meses juntos, não é possível que seja tão forte!”  “Você só está vivendo sua primeira decepção amorosa, vai passar!”  “Logo você encontra outra menina e nem vai mais lembrar-se dela!”  “Ela não era para você.”  “Vocês são como água e óleo, não podem se misturar.”  Ele realmente gostaria que aquelas palavras fizessem sentido para ele, que elas abrissem uma porta que o levasse para fora daquela depressão. Só que não. A lógica não valia nada quando se tratava de paixão. 

Um a um, Marvin começou a engolir os comprimidos. Quando chegou ao terceiro, começou a engoli-los aos punhados. Logo, ele caiu em um sono profundo e sem sonhos. Um lugar escuro e silencioso, do qual Marvin nunca mais voltou. 

Seu corpo só foi encontrado dois dias depois, pois os empregados esqueceram-se dele. Supondo que ele tivesse ido embora sem se despedir, nem se preocuparam com o assunto, até que seus pais foram procurar por ele ali. Max não estava em casa. Os empregados receberam o casal na sala de estar, e os dois se sentaram no sofá da sala, aguardando, enquanto eles procuravam Marvin pela casa. 
Quando Rafaela ouviu o grito da empregada, seu coração gelou, e ela entendeu. Fechou os olhos, querendo escapar daquele momento, daquele pesadelo. Mas levaria muito tempo até que eles conseguissem sorrir novamente. 

Quando Jane ficou sabendo do que acontecera a Marvin, ela sentiu uma dor muito forte, e arrependeu-se pela maneira como o tinha tratado. Ela passou o dia todo trancada em seu quarto, chorando. Ali, ela promoveu sua terceira transformação: oxigenou os cabelos em um loiro quase branco, retirou os piercings e o esmalte preto das unhas. Jogou fora as roupas masculinizadas, vestindo uma camisola branca esvoaçante. Quando ela saiu do quarto e Tavinho a viu,  ele ficou surpreso e chocado. A menina era um verdadeiro camaleão! 

Jane não tocou no assunto com ele. O nome de Marvin nunca mais foi pronunciado por ela, mas alguma coisa nela morreu. Tornou-se uma menina totalmente fria, e o sexo para ela era algo que causava nojo. Tavinho não conseguia mais aproximar-se dela. A menina ninfomaníaca que conhecera e pela qual era completamente louco, tinha morrido. Ele logo se cansou dela, e os dois se divorciaram, o que para Jane, foi um grande alívio.

O tempo passou, e como o tempo apaga todas as corrupções da história do Brasil, a família retornou ao país, passando a viver na mesma casa, mas logo a venderam, pois Jane não conseguia conviver com as memórias que ali estavam, entre aquelas paredes. 

Sunny e Paco não conseguiam mais conviver; a presença um do outro era quase insuportável. Divorciaram-se logo após a chegada ao Brasil, dividindo os bens que lhes restavam. Sunny passou a levar uma vida de asceta, vivendo anonimamente em uma casa isolada nas montanhas. 

Max decidiu tomar juízo e cursar uma faculdade, o que modificou completamente sua vida, já que Gabi deu a ele uma nova chance. Os dois casaram-se anos depois, e viveram felizes, já que Sunny e Paco não faziam parte da vida deles. 

Paco continuou dedicando-se ao tráfico de drogas e a outros negócios escusos. Era o que ele sabia fazer. Terminou seus dias após ser alvejado por tiros em um beco escuro, próximo ao lugar onde morava. 

Jane passou muitos anos vivendo uma vida andrógina e frígida. Sua infância complicada e sem limites levou-a a uma crise de identidade que ela jamais conseguiu resolver. Aos quase trinta anos de idade, ela acabou com a própria vida ao ingerir uma overdose de cocaína. Estava totalmente diferente da linda menina que Marvin conhecera. Perdera alguns dentes, tinha os cabelos ralos e ressecados e a pele envelhecida, além de estar excessivamente magra. 

A família de Marvin recuperou-se aos poucos. Rafaela engravidou novamente, e Melissa e Luis se casaram, providenciando netos e bisnetos que fizeram a alegria da família. Porém, sobre o aparador da lareira, a fotografia de Marvin sempre permaneceria, um sorriso emoldurado no papel e um olhar que passava através dos seus observadores. 


FIM
































quinta-feira, 15 de março de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO XXI








Naquela manhã, Marvin acordou com uma sensação estranha. A boca estava amarga, e ele se sentia cansado. Ao olhar-se no espelho, percebeu a palidez da pele e os olhos inchados. A garganta doía. Ele escovou os dentes e pegou uma pastilha para garganta, colocando-a na boca enquanto tomava banho e se vestia. 

A mesa do café da manhã estava festiva – seus avós tinham passado para uma visita, e Luis e Gabi também estavam por lá. Ele se sentou e começou a encher a xícara. Já estava no segundo gole quando notou que Jane não estava entre eles. 

-Ela foi correr. Vi quando ela saiu logo cedo. – disse Melissa.

 Ele ficou mais tranquilo, mas por volta das onze da manhã, ela ainda não tinha voltado. Todos começaram a ficar preocupados. Os avós foram embora, pedindo que dessem notícias assim que tivessem alguma. Teófilo bateu de leve no ombro do neto, ao ver sua preocupação:

-Será que ela não foi até sua casa pegar alguma coisa? Ou talvez tenha encontrado uma amiga. Mande notícias assim que encontrá-la! 

Melissa e Gabi se entreolharam; as duas caminharam para o jardim, como se tivessem um acordo entre elas. Lá comentaram sobre o estranho sumiço de Jane:

-O que você acha, Gabi?

-Não sei... talvez seu avô esteja certo.

-Eu acho que ela se mandou. Vazou mesmo. 

-Mas... ela parecia estar tão bem com o Marvin, e feliz aqui! Confesso que eu estava começando a gostar dela.

-É, mas... ela nunca me enganou, sabe. Sempre senti que ela não está apaixonada pelo Marvin, embora tenha tentado de verdade se apaixonar. Acho que viu na gente uma saída momentânea para sua vida desestruturada. 

-Nossa! Agora parece até uma psicóloga falando. Lacrou. Mas só fazem cinco horas que ela saiu. Talvez volte para o almoço.

Enquanto isso, Marvin andava de um lado ao outro em seu quarto, deixando mensagens no telefone de Jane que não eram respondidas. Tentou ligar para ela. Escutou o telefone dela tocando, e saiu correndo pelo corredor, indo até o quarto de hóspedes; viu que o telefone estava sobre  a mesinha de cabeceira. O estômago dele deu um nó, e a febre que ensaiava sair, finalmente começou. Ele passou pela mãe no corredor feito um furacão, suado, o rosto vermelho. Rafaela segurou-o pelo braço:

-Alguma notícia? Ligou para ela?

-Não. Ela deixou o telefone aqui. Mãe, acho que aconteceu alguma coisa!

-Calma! Se ela deixou o telefone, é porque não pretendia demorar.

-Então! Já saiu há horas! Ninguém leva cinco horas correndo de manhã. Já é quase hora do almoço. 

-Bem... vamos até a casa dela. Mas antes...

Ela tocou a testa do filho, que ardia em febre. Ele tentou recuar, mas Rafaela percebeu:

-Marvin, você está febril!

-É, acho que estou pegando um resfriado. Nada sério. Vamos, mãe.

-Não sem antes tomar um antigripal.

Ele obedeceu calado, pois sabia que era inútil argumentar com a mãe em momentos como aqueles. Ansioso, ele finalmente entrou no carro, e os dois foram até a casa de Jane. 
Aguardaram na sala, enquanto um dos empregados foi chamar Max. Marvin estava tão ansioso, que sentia as mãos tremendo. Quando Max entrou na sala quinze minutos mais tarde, despenteado e com cara de quem tinha acabado de acordar, Marvin foi logo perguntando:

-Oi, Max. A Jane está aqui?

Max olhou para ele e depois para Rafaela, antes de responder:

-Não... hum... ela esteve aqui, pegou umas roupas... aliás, pegou bastante coisas... 

Rafaela sentiu o peito gelar de apreensão. Apoiou o filho, enquanto ele perguntou:

-Mas para onde ela foi? Não voltou lá para casa.

Max pegou um envelope no bolso do casaco, entregando a Marvin:

-Ela deixou isso aqui pra você.

-O que é isso? Como assim?

Rafaela interviu:

-Obrigada, Max. Já vamos indo.

-Max, o que é isso aqui?

Max encolheu os ombros. Apesar de já saber o que estava escrito na carta, ele preferiu fingir ignorância. Lembrou-se de ter chegado de uma festa, ainda meio-alto, e encontrar a irmã descendo as escadas com uma mala. Ela passou por ele, e antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa, Tavinho veio do quarto de Jane carregando mais duas malas. Confuso, Max coçou a cabeça:

-Ah... pode me explicar o que tá rolando aqui, Tavinho?

Tavinho colocou as malas no chão:

-Estamos indo embora, Max. Jane e eu. Nós vamos nos casar.

-O que? Tá maluco, cara? Meu pai sabe disso? Ela ainda é uma adolescente!

Tavinho riu:

-Já falei com seu pai, e ele concordou. Vai mandar a autorização. Nos casamos no Brasil em segredo, e depois vamos para uma ilha no sul da Itália, onde eles estão. Disseram que era para você se juntar a nós. Vá fazer suas malas, Max.

-Que??? Malas? No way. Detesto o sul da Itália. Vou ficar por aqui um tempo, e depois mando notícias. Tem o telefone dos meus pais? Estou precisando de grana.

Tavinho passou o número para o celular de Max, balançando a cabeça em uma negativa:

-Tá aqui... mas cuidado, ninguém pode saber onde eles estão. Só ligue se for necessário. E não se preocupe, eles já fizeram um depósito na sua conta. Você ficará bem. Parece que eles já sabiam que você não ia querer ir. 

Dizendo aquilo, Tavinho pegou as malas e saiu, deixando Max parado nas escadas. Tavinho jamais mencionou que Paco tinha dado a autorização sob ameaça de ter mais fatos comprometedores revelados. Fatos que poderiam fazer com que ele e Sunny passassem muito tempo na cadeia, caso fossem pegos. Coisas como tráfico de entorpecentes, aliciamento e escravidão de menores, mais provas sobre lavagem de dinheiro, do qual já eram acusados, formação de quadrilha, enfim, a lista era bem grande, e colocaria a Interpol atrás deles. 

 Naquele momento, Jane voltou. Parou na frente dele, abraçando-o desajeitadamente. Eles nunca se abraçavam. Quando se separaram, ela pegou um envelope na bolsa e deu a Max:

-Entregue ao Marvin, mano. Por favor.

Dizendo aquilo, ela se foi. Imediatamente, Max abriu a carta e leu seu conteúdo – o mesmo que Marvin leria em seu quarto, alguns minutos mais tarde:

"Oi, Marvin!

Esta é uma carta de despedida. Eu juro que tentei, mas não poderia levar essa vida que você leva. Eu já nasci estragada... não tem lugar para mim no seu mundo, e vice-versa. 
Obrigada por tudo. "

Jane não mencionou, na carta, que se casaria com Tavinho. 

Marvin leu e releu a carta diversas vezes. Tantas, que acabou memorizando o conteúdo. Na casa, Rafaela e Cadu acharam que era melhor que Marvin ficasse sozinho para assimilar o que tinha acontecido, então as pessoas andavam pelos cantos, falando baixinho, e de vez em quando alguém batia de leve à porta do quarto dele levando uma bandeja – que mais tarde era recolhida, intocada. Esta situação durou quase três dias. 

Max estava fisicamente esgotado por causa da gripe forte que o abateu, e emocionalmente em pedaços. Não falara com ninguém sobre o que tinha acontecido. Ficava em sua cama, fitando a parede como se estivesse catatônico. Cadu achou melhor leva-lo a um hospital. Rafaela tentou impedi-lo, mas os argumentos de Cadu eram fortes:

-Amor, ele não come há dias! Está lá, naquela cama, pensando sabe-se-lá-o-que. Ele precisa de ajuda. Eu... eu tenho medo do que possa acontecer a ele. 

Ela concordou com a cabeça, tristemente:

-Ok, então vamos leva-lo. 

Marvin não ofereceu resistência enquanto a mãe o colocou sob o chuveiro e depois o vestiu. Aceitou beber um pouco do suco que Melissa trouxera. Aceitou os abraços que todos lhe deram antes de sair com os pais. Não se importou. Ele não se importava com mais nada. 


(continua...)




terça-feira, 6 de março de 2018

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO XX







Jane percebia que o clima na família de Marvin era totalmente diferente do que ela conhecera em toda a sua vida. Todos se abraçavam e se beijavam carinhosamente. Rafaela era carinhosa, preocupada sempre com o bem-estar de todos. Os avós, mesmo que um pouco brigões uns com os outros, na verdade eram amigos. Passavam muitas tardes jogando cartas juntos, ocasiões nas quais consumiam grandes quantidades de café e licor. Helena fazia deliciosos bolos de chocolate, maçã com canela, baunilha, banana e laranja. Os lanches eram ocasiões alegres, onde todos sentavam-se à mesa rindo e conversando. Nas noites de sábado, os pais iam sair juntos. Gabi, Max e Luis apareciam, e eles ou iam sair para fazer algum programa – dançar, ir ao cinema, ir a uma lanchonete ou passear por aí – ou então assistiam a um filme juntos, ou jogavam algum jogo divertido. 

 Os pais de Marvin se beijavam, se abraçavam e falavam carinhosamente um com o outro. Marvin e Melissa também pareciam muito entrosados. Totalmente diferente do que acontecia entre ela e Max! Em uma ocasião, ela viu a maneira carinhosa com que Rafaela dava conselhos aos filhos, escutando-os sobre suas dúvidas e tentando acalmá-los. 

E eles a tinham recebido como a um membro da família. Ninguém fazia perguntas indiscretas ou cobranças. Os avós a beijavam quando chegavam à casa, e Jane descobriu que conversar com eles não era chato, como ela pensava, mas divertido e muito esclarecedor. A experiência de vida que eles tinham era muito útil e bonita, e eles estavam sempre prontos a partilhá-la. 

Jane pensou que nunca tivera tanta intimidade assim com sua própria família. Os pais se tratavam com frieza e cinismo, embora raramente brigassem. Ela achava que os dois não se amavam. Ela crescera em um clima de permissividade que, ao invés de trazer a ela maturidade, dera-lhe muita insegurança e uma visão equivocada sobre as pessoas e sobre o conceito de família. 

Ela viu que Gabi, Luis e Melissa não eram chatos, como ela pensava: eram muito legais! E ela sentiu que para ser quem ela era, não precisava chocar as outras pessoas ou impor a sua vontade sobre a dos outros. 

Seus pais deram notícias; disseram que estavam bem, mas que não podiam dizer onde estavam. Depositaram dinheiro para eles e disseram que assim que as coisas melhorassem, entrariam em contato e mandariam busca-los. Max resolveu voltar para casa. Ela preferiu ficar onde estava: morando na casa de Marvin, onde se sentia muito bem. Seguia as regras da casa – proibido andar nu pela casa. Proibido ficar acordado após uma da manhã. Proibido sair às quintas à noite, pois era a noite da família. Proibido consumir drogas ou álcool. E ela se surpreendeu ao aprender a respeitar e gostar de limites pela primeira vez na vida. Aquilo deixava-a mais segura, pois sabia exatamente até aonde poderia ir. E ela percebeu que quem impunha limites, era quem realmente se importava. 

Max teria se perdido totalmente se não tivesse descoberto Gabi. A garota ficou ao lado dele, dando-lhe apoio e lutando para que ele não bebesse tanto e deixasse de consumir tantas drogas. Sair com a irmã, o namorado e os novos amigos também ajudou para que ele começasse a pensar seriamente em dar um novo rumo à sua vida. O raro contato com os pais deixou de exercer nele a velha pressão para mostrar-se sempre tão forte, tão arrogante, tão independente. Max decidiu que não estava pronto para dispensar os cuidados de pessoas mais experientes que ele, e ele descobriu isso ao conhecer os pais de Gabi, e também Rafaela e Cadu. Ele passou a prestar mais atenção. Passou a considerar as outras pessoas como pessoas que poderiam ser mais experientes e sábias do que ele, com muito a ensinar. Max simplesmente admitiu que não sabia tudo, nem era o dono da verdade. aquilo fez com que novos horizontes se abrissem para ele. 

A ONG foi descontinuada, e as crianças, transferidas para outros espaços. Jane fez de tudo para que isso não acontecesse, mas ela sozinha não tinha condições de administrá-la. Ainda tentou falar com Sunny sobre o assunto, mas esta alegou que não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. O fechamento da ONG foi um grande choque para Jane. Mas Marvin estava lá para ajuda-la a superar. 

Um dia, Jane saiu cedo para dar uma caminhada sozinha. A manhã estava linda, e como não se exercitava há algum tempo, achou que seria uma boa ideia sair para caminhar. As ruas ainda estavam desertas, e fazia um pouco de frio. Eram seis horas de uma manhã de sábado. Um mês e meio havia se passado desde o que acontecera, e ela já se sentia mais à vontade para sair às ruas. Resolvera tirar um ano sabático, afinal de contas. Seu amigo Juninho nunca tentou fazer contato com ela, ou perguntar como ela estava. Jane percebeu que nunca tivera amigos verdadeiros, a não ser os novos amigos que fizera – Gabi, Luis e a família de Marvin. ela estava pensando naquilo tudo, e sentindo-se um tanto melancólica, quando percebeu que um carro a seguia. Olhou para trás e logo reconheceu o carro do Deputado Tavinho. Ele parou ao lado dela, abrindo uma janela. Jane sentiu-se gelar por dentro. Ele ainda exercia muito poder sobre ela. 

Tavinho olhou-a longamente antes de dizer:

-Entre, vãos dar uma volta. Finalmente eu encontrei você, Jane! Senti sua falta.

Ela continuou andando, e sendo seguida por ele. Ele saiu do carro, e alcançou-a, segurando-a pelo braço:

-Só quero falar com você. Sei onde seus pais estão. Não quer ir vê-los? Posso levar você até eles.

-Me largue! Não quero ir a lugar nenhum com você, Tavinho. 

-Eu sabia que você só podia estar na casa do namoradinho! Confesse, diga que não sentiu saudades...

Jane parou de andar. Ele teria razão? Ela sentira saudades dele? Não, não era bem isso... mas estava claro que Tavinho tinha poder sobre ela. O toque da mão dele deixava-a arrepiada. Ainda sentia atração por ele. As coisas que já tinham feito juntos voltavam à sua memória, e ela sentia um misto de vergonha, repulsa e desejo ardente. 

-Me deixe em paz, Tavinho.

-Não posso. Eu amo você. Estou apaixonado por você, sempre estive. Desde que vi você pela primeira vez, uma menininha de vestido curto... quando eu pus meus olhos em você, sabia que eu estava totalmente preso, irremediavelmente preso a você, ao seu poder... diga que nunca sentiu nada por mim! Você costumava gostar, lembra? Você sentia muito prazer... e me dava muito prazer. Nunca precisei obriga-la a nada, você gostava!

Apavorada, Jane sabia que ele tinha toda razão. Inesperadamente, ele a puxou para si, beijando-a com sofreguidão. Ela não conseguiu separar-se dele. Ela correspondeu ao beijo dele, sentindo-se derreter nos braços de Tavinho. Marvin era só um menino perto dele. Um menino que ela não amava, embora gostasse muito dele. Um bom amigo, alguém muito querido, mas que não despertava nela aquelas sensações arrebatadoras às quais ela não conseguia resistir. 

De repente, a repulsa. Tavinho abusara dela na infância. E ela achava que seus pais sabiam de tudo. Seus pais sabiam, ela acabara de se lembrar de uma ocasião em que os dois estavam juntos em seu quarto e ela viu quando Paco chegou à porta, olhou para dentro e saiu. O olhar do pai pairou sobre ela, e encontrou o dela, e ele não fez nada, apenas afastou-se em silêncio. Ela tinha doze anos na ocasião. Ela estava sentada no colo de Tavinho, de frente para ele, as pernas em volta da cintura dele. 

Tavinho estava de costas para a porta do quarto e não viu quando Paco os surpreendeu. E ela não disse nada, só continuou a fazer o que estava fazendo. E ela não sabia se fora a presença do pai que fizera com que o prazer explodisse dentro dela de uma forma que nunca tinha acontecido antes. 

Jane pensou em sua vida depois do que acontecera. Uma vida regrada, tranquila, feliz. Marvin era carinhoso, e ele a amava, mas não sabia ser intenso. Ela sabia que acabaria magoando Marvin. Ela acabaria magoando a todos. Era o que sabia fazer. Não poderia mudar aquilo no qual se tornara. Ela era assim. 

Ela foi de mãos dadas com ele até o carro. Ele abriu a porta e ela entrou. Beijaram-se mais uma vez. 

Ele começou a acaricia-la livremente, e ela abriu-se para ele. Alguém se aproximava na calçada, e os dois disfarçaram, se afastando um do outro. Ele deu partida no carro, e ela foi embora com ele. 



(CONTINUA...)





A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...